sublinhar

quarta-feira, abril 07, 2004

Epitáfio das palavras

Estou aqui e não estou aqui. Releio o que escrevi hoje e sinto-me morto. Quem é este que por mim fala? Que sério, e outro, é este que escarnece do haver vida? Parece que esqueci o sol, o calor na pele, os sentidos. Que memória é esta memória que recordo? E de que serve a memória impossível de lugares impossíveis? De que serve tudo que não seja vida, que não seja o pulsar, o latejar, constante das veias? Como me posso deixar assim prostrado, esquecido do sangue que circula dentro de mim?
Esqueço. Escrevo como quem transpira a podridão dessas batalhas que combati por engano. Se tudo perder pela incompreensão dos outros, então tudo ganharei. Estarei justificado. Que a minha honestidade, deste momento, de todos os momentos, seja essa justificação. Que o escrever, viver, assim expondo as feridas do meu corpo seja tudo o que tenho, que seja tudo que terei. Podem olhar para o lado, esquecer que existo, apagar-me dos ficheiros da memória. O que não posso é viver esquecido de que estou vivo. Ou deixar de lutar para que os sonhos invadam a realidade. É isso que sou. Que serei. Não posso deixar de pensar que posso ter tudo, que terei tudo, aquilo que quero. Não posso deixar que sonhos negros, palavras negras, me façam esquer da beleza de Eu estar vivo. Os outros, vocês os outros, eu, não podem nada contra esta força. Haja força. Caminharei o caminho que decidir percorrer. No fim há a morte. Que venha também a morte. O que me importa é que vivi, vivo, viverei.

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