Quotidiano [1]
Começa: Anseio permanentemente por um sonho. A sua concretização não é, aliás, essencial. Procuro apenas a sua natureza diáfana, a ilusão da ilusão. Imagens. A câmara, ou será apenas um olhar?, sossega então na figura de um homem sentado na esplanada de um pequeno café. Ele lê o jornal, concentrado. A câmara, o olhar, aproxima-se lentamente revelando pormenores da figura: há um cigarro acesso que descansa no cinzeiro, o jornal é de língua inglesa, uma chávena de café aguarda em silêncio que lhe coloquem o açúcar e o rosto do homem dissimula mal uma espécie de pânico, de medo profundo. O que ele lê? A câmara, tenho quase a certeza que não é uma simples câmara mas um olhar, roda em volta da mesa, apresenta-nos agora a figura de costas, cabelo preto (olhos azuis pensarão alguns – mas não, de facto os olhos são castanhos já os vimos, antes). Deste ângulo a câmara, que se converte numa pessoa (o olhar), permite-nos ver o que lê o homem: A morte de uma mulher nas páginas do jornal. Outra mulher (a pessoa, o olhar) senta-se então ao seu lado, a imagem do seu rosto (o olhar dele agora) revela uma lágrima que desce lentamente pela sua face. Somos levados a pensar: Ela descobre a cada segundo que a memória se infiltra no quotidiano, obstinadamente, e que tudo que ganhamos perdemos...e mais uma série de lugares comuns. Talvez por isso o sorriso (dela) que a câmara (o olhar dele) capta. Ele pergunta: de que país de longe és tu? E que segredos guardas na impaciência dos teus actos? Ela não responde, a câmara (o olhar de ambos?) pára entre o pacote de açúcar, a chávena de café e a notícia no jornal agora pousado sobre a mesa. Ele, impaciente (sentindo-se culpado?) diz: Não posso fugir a ser aquele que sou. A câmara (o olhar de quêm?) mostra agora uma árvore perto da esplanada, lentamente eles desaparecem e uma voz (a dela?) ouve-se murmurando: Quêm?
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