A impossibilidade de caminhar
Talvez as palavras sejam apenas uma fuga ao movimento. Como se um homem parado numa rua secundária a meio da noite tomasse a indecisa decisão de ficar parado a pensar em vez de ir. Porque o seu destino seria sempre algo de concreto, ainda que desconhecido. Só a sua indecisão se assemelha a um vazio. Mas, talvez, seja apenas isso que ele pode fazer agora. Estar parado. Imaginem-no sob a luz de um candeeiro, podem até imaginar uma chuva fina, e um homem, de gabardina preta, que pensa. Confesso que conheço os seus pensamentos, digo: os meus, e que vos posso confessar que ele não decide. Apenas pensa para que o tempo passe e tudo de alguma forma se torne inevitável. Esse tudo será, todavia, o nada. E ele, assim parado, apenas confere à morte o direito de o levar. Porque imaginemos uma vida, numa imagem: uma cama, um homem e uma mulher, nenhuma palavra atravessando a calma da tarde, apenas um silêncio, uma partilha para lá de todo o entendimento. É a ideia do definitivo contrário disso que ele não suporta. O que ele pensa agora, e talvez chore, é que se continuar parado a vida seguirá o seu curso e o tempo não estacionará à sua espera. Mas se está parado, fugindo, ou fingindo fugir da vida, é porque algo nele o impede de desencadear o próximo passo. Porque, digo isto apenas em teoria, se o próximo passo for por qualquer cósmico motivo o passo errado, o fim será o fim também, mas o sofrimento maior. Porque este pensamento é sombra de outro pensamento qualquer, e esta lágrima, confesso que ele está mesmo a chorar, é também a sombra de outras lágrimas. Ele espera na esperança de não se anular em algo maior, e, fundamentalmente, incompreensível. Como se o erro não fosse acreditar que alguma coisa pode ser intensamente maior e incompreensível do que a própria vida. Parado, metaforizado na antítese da decisão, ele escapa à vida, ou seja: morre.
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