sublinhar

domingo, abril 04, 2004

Leituras (2):

Coimbra, 23 de Janeiro de 1989 – Morreu Salvador Dalí. Desaparece da cena do mundo um grande pintor e, sobretudo, um grande actor. Este é o que vai fazer maior falta, porque a obra responde pela imortalidade do outro. O histrião é que deixa vazio o palco onde só ele sabia representar o difícil papel de indivíduo singular no seio de uma sociedade arregimentada. Conformados com as regras de trânsito humano impostas pelos ficais da ordem, caminhamos tristemente arrebanhados, fiéis a um código de preconceitos, sem darmos conta sequer da nossa degradação. Havia, contudo, entre nós uma excepção à regra. Um cabotino catalão, com os seus bigodes insólitos, a sua bengala caducêutica, a sua lúcida loucura, que ao génio juntava a audácia subversiva. E ficávamos ao mesmo tempo escandalizados e fascinados com as irreverências e descomedimentos de que fazia gala. Reagíamos à superfície ao despautério, mas, no fundo do nosso inconsciente, sabíamos que era aquele anarquista provocador que nos vingava e redimia.
Miguel Torga - Diário


Salvador Dalí - Jovem Virgem Auto-sodomizada, 1954

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