sublinhar

quarta-feira, março 02, 2005

are you talking to me?

- "Estás com um ar cansado". Anda uma pessoa a passear pelo shopping, encontra uma amiga, blá blá blá, está tudo bem?, blá blá blá, e depois esta: estás com um ar cansado. E depois uma pessoa pensa nisso, até porque escolher uma marca de cereais nãos nos ocupa o cérebro plenamente. Um pessoa começa a pensar e sente-se realmente cansado: dormi pouco, ando a dormir pouco e mal, os brônquios continuam a dar ao respirar um ar de fole furado, o trabalho...sempre o trabalho, as coisas que não faço, que me esqueci de fazer...havia um qualquer telefonema para uma certa pessoa, mas quem?...uma mensagem para responder: ainda bem que gostaste J. Estou com ar cansado – e logo me apetece gritar: mas o quê? já se nota? Havia uma base de dados da biblioteca que está eternamente a começar, e uma loja de roupa com uma camisola azul claro que queria comprar, e o cinema, o teatro, dizer-te mais um milhão de vezes: amo-te. mas não há tempo. O que existe, agora, este momento, é o trabalho, com metade do cérebro a ouvir o que me dizem e um desejo de mandar todos...para longe. Os sonhos de noites de verão também interferem. Sempre quis ser uma rock star, mas agora nem existe mais rock. O tempo passa...uma amiga faz vinte e oito anos e ponho-me logo a pensar que daqui a pouco sou eu, e uma lista mental abre-se logo perante mim, como um julgamento: filhos? Não; árvore? Não; livro? Não. Não, não, não...tudo não. Nestas alturas, e isto é verdadeiramente risível, tenho pensamentos do género: eu devia passar algum tempo desempregado...afinal nunca estive, talvez me fizesse bem. Mas logo desmancho o absurdo de pensamentos assim. Deixo-me estar. Escrevo e o tempo passa e ainda tenho que fazer umas coisas antes de sair do escritório. Uma ar cansado...o que me chateia não é ter ou não ter um ar cansado (hamlet pós-moderno – com físico e sem metafísica), o que verdadeiramente me irrita é estar mesmo cansado. Mas não vulgarmente, como quem trabalhou muito e se cansou (eu não faço isso), mas como quem nada fez e desejou fazer, como quem quer fazer mas desiste em prematura ocasião. Agora levanto-me e vou. O pessimismo, o cansaço (suponho que não o ar de cansado) ficam aqui. Afinal escrever sempre tem os seus efeitos práticos no curto-prazo.

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