sublinhar

quarta-feira, junho 22, 2005

em virtude de


Escrevo para impedir que os dias desapareçam. Em palavras, em menos que palavras, em vestígios dispersos de factos isolados. Escrevo porque quero tecer este labirinto de razão. As palavras são a memória disfarçada de esquecimento.

Por exemplo:

Um rio de águas vermelhas corre em direcção a noroeste no dia vinte e um de Junho do ano da graça de dois mil e cinco depois do salvador.

Escrevo para que os dias permaneçam inexactos no tempo. Em frases, entrecortadas de vestígios, memória. Escrevo para que o novelo se desenrole sem nexo por todas as divisões da casa. As casas são palavras e são também o mundo.

Por exemplo:

Comi uma manga sentado no quintal de uma pequena casa na bahia no dia vinte e um de Junho de mil oitocentos e cinco.

Escrevo para que a memória se desconserte. Em conceitos exactos, no lugar da preservação da vida. Escrevo para que levante a neblina que cerca os lugares onde vivi. A memória existe.

Por exemplo:

O meu tio sobe a rua de Camões, encontra um senhor que lhe diz: então, sempre me entrega aquilo amanhã? Isto acontece com ele no dia sete de Maio de mil novecentos e oitenta e nove e comigo no dia sete de Junho de dois mil e cinco. E o homem que pergunta é o mesmo, mas o meu tio está morto. E ainda hoje existe a palavra: tio, que é ele.

A memória existe realmente, como uma ilusão.

Por exemplo:


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