sublinhar

quinta-feira, março 03, 2005

Acthung – da natureza fugaz da manhã

No começo são as palavras. Antes que aconteça o movimento nomeio-o. Depois paro, aumentando o silêncio. Olho o telefone, brutalmente silencioso e espero. Antes de mais, procuro olhar em volta tentando preencher os espaços com as coisas bonitas da vida. Nomeio-as: as flores, a música do rádio, o motor do carro roncando pela manhã a caminho de um sitio só nosso.
A seguir, ou antes, são as lágrimas, a água primordial, em nós, reorganizando a memória. Antes de mais, o silêncio, e o susto da pergunta: o que está a acontecer? E a minha mão, que escreve, pressionando o teclado, e que está na tua, quente, aquecendo. A minha mão, eis um segredo, existe duas vezes. Tal como eu, tal como tu. Desde a silente memória do dia em que nasci, ou até antes, desde sempre, anteriormente a tudo. Nós dois. Um corpo e outro corpo. Uma mão em outra mão. E palavras. Mais do que tudo isso: nós dois. Essa realidade imanente que somos desde sempre, antes de tudo. Penso: um dia nas primordiais águas de um oceano imenso uma célula levava já inscrito o momento em que nós dois diríamos: olá. Como se uma palavra banal pudesse, sozinha, dizer de todo o amor indizível.

Na rádio:
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él las palabras que pienso y declaro
Violeta Parra

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