sublinhar

domingo, julho 24, 2005

Contra a nudez excessiva da vida

Acordo na rádio enquanto uma voz me diz que explodiu uma cafeteira eléctrica.

Só depois o meu corpo existe. Há algo de insuportável neste acordar todos os dias longe de nós.



Acontecem-me imagens de plástico, reproduzidas em papel brilhante e esses, tantas vezes, são os meus olhos. Acontecem-me vozes, ruído, fúrias, que preenchem o meu cérebro. E então eu penso… mas não penso.

Acordo na tv enquanto vejo imagens de pessoas mutiladas por toneladas de metal. Só depois, de esquecer, o meu corpo existe. Há algo de insuportável na dimensão de imaterialidade que aqueles corpos assumem.

A rapidez sugere que a distância entre o corpo saudável dos cereais e os corpos mutilados do noticiário não existe. Não existe a distância entre eles e eles próprios existem apenas como o seu reflexo.

As pessoas são a sua própria metáfora. Cada pessoa representa ao mesmo tempo a ideia que tem de si e a ideia que os outros têm de si.
Deixam de existir.



O meu corpo perde-se e sente-se só. Não há nada real ali, não há nada real no próprio real.



Regresso ao corpo.
Estendido ao sol, sentindo na boca o sabor do vinho tinto e abandonado a si próprio.

Talvez seja prudente abandonarmos a nudez pornográfica do plástico que não somos e vivermos a nudez real no nosso mundo imaginado.


Craig Srebnik, Aurora

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