sublinhar

quarta-feira, abril 20, 2005

da interpretação do mundo

Aquelas coisas que julgamos, talvez porque realmente o sejam, inexprimíveis são as que doem mais profundamente. Como a presença assídua da pobreza e ignorância nas ruas da cidade. Pessoas órfãs dos mecanismos para a interpretação do mundo, digo assim porque desconheço outra forma de o dizer. Como aquela coisa inventada por meninos ricos com crises de consciência: a sabedoria popular. Uma ideia reconfortante: eu falo de joyce, tu falas do devagar que nos leva longe e está tudo bem assim. Um dia eu passo por tua casa, olho à distância e comento a tua insensatez. Ou, e porque não, se hoje podemos tudo, levo um miúdo de uma remota aldeia, um qualquer sem-futuro, a lisboa para ver o mantorras, e depois digo-lhe que o seu sonho está cumprido. Suponho que agora o miúdo pode morrer, ou viver na pasmaceira da aldeia remota, sempre mais remota, ainda mais remota. É bom assim. Um velhote que deambula pelo café tentando recolher alguns rebuçados de graça, esses mesmos que nos são atribuídos com o café. Ele não toma café, suponho que não tem dinheiro para o fazer. Também não participa em qualquer esquema à maneira de hollywood, juntando um grupo de reformados para roubar rebuçados. Ideias rebuscadas, rabiscadas. Eu posso, nas horas roubadas ao trabalho, rabiscar estas pequenas coisas a caminho de nada. O indizível dói profundamente. Se começo a explicar suponho que nunca irei acabar, é da sua natureza furtar-se às palavras. É, também, da natureza deste texto ser incompleto, existir apenas a um passo de existir, ser um quase grito sussurrado. É da natureza destas coisas ser incompreensível, viver no quase, assim como eu.

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