sublinhar

domingo, novembro 30, 2003

(...)

Nunca supus que isto que chamam morte
Tivesse qualquer espécie de sentido...
Cada um de nós, aqui aparecido,
Onde manda a lei certa e falsa sorte,

Tem só uma demora de passagem
Entre um comboio e outro , entroncamento
Chamado o mundo, ou a vida, ou o momento;
Mas, seja como for, segue a viagem.
(..)

Fernando Pessoa

...

A tua distância é para mim insuportável. Os teus passos para longe de mim fazem retesar todos os músculos do meu corpo, num instinto que tem tanto de medo como de espanto. Estendo o braço na tua direcção e peço-te: Compreende-me.
Ou é já demasiado tarde para isso?

(...)

"Descobri desde muito cedo o espaço ignorado que se abre diante de quem leva uma vida silenciosa."

in "O Doente Inglês"
Michael Ondaatje

Desaparecido

Leio no guia de tv do Expresso que ontem o convidado de Ana Sousa Dias no programa “Por Outro Lado” era Mário Vargas Llosa, e que o programa seria emitido, como é hábito, às 21.00 horas. Esperei….esperei….esperei…vi os Simpsons…e nada. Alguém me sabe dizer para onde foi o programa? E já agora, custa muito aos directores de programação explicarem ao público o porquê da não exibição de um programa?

Semana

A minha vida passou a um ritmo completamente diferente desde que comecei a trabalhar. Esta semana estive permanentemente ocupado, mas o que resta é a estranha sensação de que não fiz nada.

terça-feira, novembro 25, 2003

Sem tempo

Comecei a trabalhar hoje e já estou sem tempo para nada.
Tenho que encontrar novas rotinas para tudo, incluindo para este blog.

segunda-feira, novembro 24, 2003

H

Passei agora, a caminho de casa, pela porta do hospital, e vi uma mulher que saía do hospital de carro. A mulher chorava, ou melhor, tentava segurar as lágrimas num esforço mal sucedido. Os olhos mostravam não dor mas uma espécie de incerteza dolorosa. Demorou a arrancar, e enquanto isso, olhava em redor como um naufrago em pleno mar procurando uma bóia. Dor, dúvida, esperança... Aquele rosto era mais que o rosto de uma mulher, era um tratado de emoções humanas.

Sugestão do dia:



Mais uma vez De Niro no Hollywood: “Mad Dog and Gloria”, às 21.00 horas.

Fim-de-semana com “o português mais interessante do século XIX”

Dediquei este fim-de-semana à leitura da “Correspondência de Fradique Mendes” do nosso Eça, e do “Nação Crioula – A Correspondência secreta de Fradique Mendes” de José Eduardo Agualusa.

Acessibilidades

Este blog é uma espécie de aldeia perdida no Trás-os-Montes da blogosfera. Por vezes recebe visitas, que olham em volta e apreciam a paisagem, e eu, como habitante único, sinto um certo orgulho desta aldeia. Mas, na maior parte do tempo, esta aldeia está esquecida, vive pachorrentamente uma vida distinta das outras terras que partilham este planeta. Vive esquecida, mas vive docemente, sabendo que a finalidade última de se estar vivo é viver.

MAR

Ando a acarinhar a ideia de viver perto do mar. Sinto a falta de horizontes largos. Vivo no Minho, mais precisamente em Guimarães, o que é o mesmo que dizer que vivo encravado entre montes. Para onde quer que olhe encontro montes que me limitam a visão, montes verdes, de um verde que não cede a estação alguma. Vivo aqui, e olho os montes verdes, olho as ruas verdes também, e o meu olhar sente saudades do ilimitado. Quero ver o mar ao acordar, quero andar com o mar a meu lado, quero adormecer ao som do mar. Mar calmo, mar encrespado… O MAR.

Gravuras

A ler (2):

"Ou seja: a blogosfera também me agrada porque ninguém pode impor silêncio seja a quem for, nem pode obrigar seja quem for a falar sobre aquilo que acha que devia ser matéria para pronunciamento."

O que falta à blogosfera no Aviz

A ler:

Contrários no Ruminações Digitais

domingo, novembro 23, 2003

---

A solidão de uma palavra. Uma colina quando a espuma
salta contra o mês de maio
escrito. A mão que o escreve agora.
Até cada coisa mergulhar no seu baptismo.
Até que essa palavra se transmude em nome
e pouse, pelo sopro, no centro
de como corres cheio de luz selvagem,
como se levasses uma faixa de água
entre
o coração e o umbigo.

in "Poesia Toda" (Assírio&Alvim)
Herberto Hélder

sábado, novembro 22, 2003

(...)

"Disse-lhe que que tinha razão, que correria tudo bem, e a afirmação não me pareceu uma mentira. Somos criaturas adaptáveis. É essa a fonte do nosso conforto terreno e, suponho, da nossa raiva silenciosa."

in "Uma Casa no Fim do Mundo"
Michael Cunningham

sexta-feira, novembro 21, 2003

Menos uma fronteira no desenho da alma

Já tinha escrito neste blog sobre a fronteira. A fronteira que tracei a principio entre o que é publicável aqui e o que, simplesmente, não é.
Hoje comecei a passar para o outro lado, a confundir tudo. Arrisco-me para lá do risco.
E faço-o conscientemente, propositadamente.

? (3)

Estás de partida para onde?

Lembras-te

Eu bem sei que por vezes deixo a vida lá fora, e no meu refúgio secreto penso viver qualquer outra coisa a que por comodidade também chamo de vida. Sei bem, que te afastei de mim, pelo medo de mergulhar num mar de emoções que reconheço incontroláveis. Sei bem, que naquela tarde em que eu te recusei a palavra: amo-te, e tu desististe para sempre de mim, não foi a minha timidez que viste mas sim o meu medo. Sei bem, que tu também o soubeste, e sei que por isso partiste. Agora, é eternamente tarde de mais. E tu és tu, longe de mim, e eu sou eu longe de ti. E ambos somos sempre longe. Acabou o tempo em que poderí­amos parar o mundo, e submeter todos à  nossa paixão.
Adeus, então. Mando-te beijos, para aí, para a terra do sempre.

Carta perdida nos serviços de correios

Agora, tanto tempo passado, estou curado do medo e é da cura que me preciso de curar. Que extravagante tempo esse, em que para me curar de não te ter tido, eu fui outro por despeito, com despudor. Tanto tempo, tantos caminhos: para me encontrar hoje no mesmo lugar. Mas já não sou aquele que fui e que tu conheceste, mas também não sou o outro que entretanto fui sendo para te esquecer: sou outro, que não nenhum desses dois. Sou este. Sou eu.

Um início

O professor Klint acordou emburrado naquela manhã. Durante toda a noite sonhou com a sua mulher Chloé e uma sensação quase física acompanhou-o desde a vigília até ao seu gabinete na universidade.
Os primeiros assuntos que teve de tratar naquela manhã também não ajudaram à sua disposição. Por volta do meio-dia, já o professor Klint sentia crescer em si aquela indisposição, tanto física como metafísica, que o acompanhava desde a morte de Chloé. Desde a terrível e inesperada morte de Chloé.
(...)

? (2)

O que nos aproxima dos outros?
O que nos afasta dos outros?
Alguém percebe?

quinta-feira, novembro 20, 2003

Diário

Em 1876, Fiódor Dostoievsky começa a publicação de uma folha mensal que pretendia que fosse "um diário íntimo, em toda a acepção da palavra, isto é, um fiel relato do que mais me interessou pessoalmente."
Ou seja, algo muito parecido com um blog.

Mas três meses depois ele escreve:
"Custa a crer, mas é verdade, ainda não encontrei a forma do Diário, e não sei se algum dia encontrarei... Assim, tenho 10 ou 15 assuntos (pelo menos) para tratar, quando me sento para escrever. Todavia, os meus assuntos preferidos, afasto-os involuntariamente. Ocupar-me-iam demasiado espaço, exigiriam demasiao ardor da minha parte... e, deste modo, não escrevo o que me agrada. Por outro lado, imaginei com demasiada ingenuidade que se trataria de um autêntico "Diário". Um verdadeiro "Diário" é impossível; só se pode fazer um diário artificialmente preparado para o público..."

Eu, ao escrever aqui, sinto muitas vezes essa mesma artificialidade... essa mesma impossibilidade de escrever tudo...
e espero, ingenuamente, que os silêncios possam dizer o que calo... mas isso, sei-o bem, é um desejo condenado ao fracasso.

Claire


Claire Daines
Foto publicada na revista Premiere

"I love you, I love you not"

Vi ontem o filme (Canal Hollywood) e li agora este comentário que diz tudo:
"a very good little movie"

quarta-feira, novembro 19, 2003

Dúvida

"Dir-lhe-ei de mim, que sou filho deste século, um filho da descrença e da dúvida, até hoje, e (sei-o bem) até ao túmulo. Que terríveis tormentos me causa agora essa sede de crer que é tanto mais forte na minha alma quanto mais numerosos são os argumentos contrários."(...)

Carta de Fiódor Dostoievsky à Sra. Von Vizine

A vida

"Meu irmão, meu caro amigo:
Tudo está decidido. Estou condenado a trabalhos forçados durante quatro anos (suponho que em Oremburgo), e, em seguida, ao serviço militar como praça de linha... Acabam de me dizer que nos expedem hoje mesmo ou amanhã. Pedi para te ver. Mas afirmaram-me que é impossí­vel... Meu irmão, - eu não estou abatido, nem perdi a coragem. A vida é em toda a parte a vida, a vida está em nós e não no mundo que nos cerca."(...)

Carta de Fiódor Dostoievsky ao irmão Miguel, escrita poucas horas depois de conhecer a pena a que estava condenado.

terça-feira, novembro 18, 2003

...

Se eu soubesse porque é que a tua presença distante me faz falta. Se eu soubesse porque é que o tu existires distante ou não existires, distante na mesma, me parece intrinsecamente diferente.
Se eu soubesse o que impele os meus actos, o que me faz duvidar a cada passo, o que provoca em mim este sentimento angustiante de abandono. Se eu soubesse…
Ai! Se eu soubesse qual o motivo de cada passo com que te afastas, qual o desejo que te faz partir sem mim, de mim. E se eu soubesse porque quedo parado, porque não estendo a mão para ti.
Se tudo isto soubesse, diz-me: que saberia eu então?

?

Quando o elo frágil que nos liga a outra pessoa se quebra, é o nada que sobrevém?

(...)


Christina Olson, 1947
Andrew Newell Wyeth

segunda-feira, novembro 17, 2003

Testes

Seguindo o link do Chá de Menta, fiz o teste Which Of The Greek Gods Are You ?? o resultado foi:

Morpheus
Morpheus


?? Which Of The Greek Gods Are You ??
brought to you by Quizilla

(...)

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flúi a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.

Ricardo Reis

Sugestão do dia: Stanley & Iris

Um filme simples sobre coisas simples.
Hoje às 21.00 horas, no canal Hollywood.

domingo, novembro 16, 2003

Mani:

"É a mimar os gestos do mundo que se aprende a sua futilidade”

in Os Jardins de Luz
Amin Maalouf

Apologia do silêncio

Durante todo o dia corres agitada e rodeada pelos sons constantes das inúmeras máquinas que te cercam. E aproveitas esse caos para te esconderes de ti própria, para que a tua vida não chame pelo teu nome. Mas eles chamam, gritam para que vás com eles, e logo corres selvagem para o ruído. E se o silêncio se aproxima, tu agitas-te e ligas o rádio, ou a tv, ou os dois. Envolves-te no ruído e impedes-te de chorar. E quando nem a agitação te livra de ti corres a beber. Procuras a diversão da mesma forma que procuras o trabalho: com uma determinação cega, voraz.
É a ti que digo: - Pára. Olha à tua volta e vê. Envolve-te em silêncio e pensa. Procura-te dentro de ti e descobre-te.

Sobre as cidades de província

Hoje falava com amigo a propósito desta designação de província. Concordamos que a designação sendo uma simplificação é, de qualquer modo, bastante correcta. Ainda assim, não podemos deixar de rir das ideias erradas que algumas pessoas “cosmopolitas” têm da vida da província, e que não raro atribuem aos habitantes de uma qualquer dessas cidades. É que, concluímos entre risos, a vida aqui já tem os seus defeitos dispensamos os exageros inventados pelos outros.

O outro lado da guerra

Tudo que escrevi no post anterior é bastante frio. E se há coisa que diferencia uma guerra de um projecto qualquer é o facto de na guerra morrerem pessoas e muitas outras passarem por sofrimentos indescritíveis. Por isso, a guerra é um instrumento a ser usado excepcionalmente, depois de descartadas todas as outras soluções.
Também por isso os políticos responsáveis pelas guerras devem ser julgados face aos resultados obtidos com uma severidade que não se aplica a outras situações. Ou seja, por a guerra ser uma medida extrema, os responsáveis pela sua execução também só podem ser “julgados” de forma extrema. Claro que quando digo julgados me refiro ao julgamento democrático, no caso presente através de eleições.

Primeiro balanço de uma guerra

Bem sei que fazer o balanço de um acontecimento enquanto ele decorre é uma tarefa arriscada, por outro lado só o acompanhamento permanente de qualquer projecto nos pode ajudar a encontrar soluções para as suas falhas. Assim, e aproveitando a semana em que G. W. Bush começou a delinear uma estratégia para se livrar desta guerra antes das eleições, decidi fazer um balanço da segunda guerra do Iraque.

A guerra, como qualquer outro projecto, tem por fim a prossecução de determinados objectivos, e a sua avaliação só pode ser feita comparando esses objectivos iniciais com os resultados alcançados. Comecemos então pelos objectivos iniciais (não pretendo entrar em polémicas sobre quais as prioridades do governo americano, por isso vou listar todos os objectivos sem qualquer ordem especial).

Objectivos
1.Derrube do governo hostil de Saddam Hussein;
2.Prosseguir a luta anti-terrorista através da ameaça militar sobre os próprios agentes terroristas e sobre qualquer governo que os possa ajudar;
3.Incutir medo de outros ataques em outros países com lideranças hostis aos EUA (sejam países da área ou não e estando ligados ao terrorismo ou não);
4.Tornar o Iraque um país seguro e pró-americano, para ser usado como trampolim para a estabilização de toda a região (incluindo o conflito entre Israel e a Palestina;
5.Encontrar e destruir armas de destruição maciça;
6.O controlo de algumas das mais importantes jazidas de petróleo do mundo.

Análise da concretização dos objectivos
1.Alcançado em 100% – Saddam Hussein foi retirado do governo com sucesso.
2.Alcançado em 30% - A imagem de força e determinação do EUA contra o terrorismo internacional são uma mais-valia nesta luta, por outro lado, os vários fracassos (a fuga de S. Hussein, a violência no Iraque no pós-guerra) têm o efeito de dar uma situação de segurança (real ou não) aos terroristas e aos estados que os suportam. Por outro lado qualquer intervenção militar dos EUA na área pode servir de a propaganda anti-ocidental desses grupos.
3.Alcançado em 40% - Também neste caso a intervenção teve um efeito dissuasor ainda que tudo que se seguiu e que ainda decorre possa aumentar a segurança dos grupos e governos anti-americanos.
4.Alcançado em 0% - Não há qualquer motivo para pensar que o Iraque possa ser nos próximos tempos um país pró-americano. O contrário estará mais perto da verdade.
5.Alcançado em 0% - Não havia armas de destruição maciça no Iraque.
6.Alcançado em 80% - Quer o controlo do petróleo iraquiano, quer das obras de reconstrução serão um sucesso no curto prazo. Acontece que tal situação poderá aumentar as probabilidades do ressurgir de um governo anti-americano e a perda desse controlo.
Nota: Maior parte do sentimento de ódio entre países foi ao longo da história provocado por “humilhações” decorridas no pós-guerra.

Resultado global
1.Na defesa de interesse de curto prazo, quer políticos (derrube de Saddam) quer económicos os EUA foram bem sucedidos. A excepção é a questão das armas de destruição massiva.
2.Quanto ao médio e longo prazo (luta contra o terrorismo, pacificação da região) esta guerra foi e continua a ser um desastre.
3.A conclusão só pode ser uma: No geral a guerra foi um projecto falhado, uma vez que é incapaz de suster os seus objectivos de médio e longo prazo.

quinta-feira, novembro 13, 2003

Elementos para uma utopia

Enquanto combatermos o medo com a dor e a dor com o medo, a felicidade é impossível e a demanda por ela é eterna.

Paul Auster

O livro “A Trilogia de Nova Iorque” de Paul Auster é um mar de perguntas em que nadamos corajosamente durante toda a leitura e do qual saímos mais sujos, mais inseguros, mais perdidos…
Felizmente ainda há livros assim.

Memória

“Agora, partamos. E não se esqueçam disto: somos homens sem importância, somos insignificantes. Talvez, um dia, o fardo que transportamos possa ser útil a alguém. Nas semanas, nos meses, nos anos que viverão, iremos encontrar muita gente abandonada, solitária. E, se nos perguntarem o que fazemos, podemos responder: Nós lembramo-nos”.

in Fahrenheit 451
Ray Bradbury

Pergunta

Depois de ler o “1984” de Orwell, o “Admirável Mundo Novo” de Huxley e o “Fahrenheit 451” de Ray Bradbury:
Acreditam que aqueles mundos são exclusivos de regimes tirânicos?

Silêncio

Não escrevi nos últimos dias porque a dor está para além das palavras.
Continuarei assim nos próximos tempos: entre o silêncio e a urgência de falar.

sexta-feira, novembro 07, 2003

Diário do Farol

Embora sem tempo para estar em casa e escrever para o blog, tive tempo (graças a longas viagens em transportes públicos) de ler o mais recente romance de João Ubaldo Ribeiro: “Diário do Farol” (Dom Quixote). Trata-se de um diário de um homem Mau, ou melhor de um homem que está para além das distinções entre o Bem e o Mal. A escrita é crua e obsessiva tal como o personagem/narrador. E o ponto forte do livro é confrontar-nos com a nossa própria maldade, ou a nossa ilimitada capacidade para a maldade.
O personagem/narrador é um homem desde cedo maltratado por um pai tirânico, capaz de matar a sua mulher para casar com a irmã dela e de obter um prazer especial em torturar o filho. Depois da morte da mãe o narrador decide assumir a tarefa de a vingar e de vingar o sofrimento por que passou.
Mas insisto, o grande poder do livro está em nos confrontar com a ideia que não há qualquer diferença entre este homem capaz de praticar os actos mais tortuosos e nós próprios ou qualquer pessoa que conhecemos. Este livro confronta-nos com um dos nossos maiores medos: o facto de qualquer serial-killer, qualquer carrasco, ser na essência um ser humano igual a nós.
Infelizmente é também aí que está o maior defeito deste livro, ao partir de uma personagem maltratada durante toda a infância o autor fornece-nos a “desculpa” para tratarmos esta personagem como o “outro”, objectivamente diferente de nós. Porque os últimos séculos têm sido pródigos em nos dar como explicação para o comportamento das pessoas Más ou a hereditariedade ou os abusos da infância. Por isso, é com facilidade que seguimos o percurso tortuoso deste personagem sentindo apenas uma remota proximidade, que não chega para nos assustar realmente.
Ainda assim o livro por vezes consegue nos confrontar com esse lado esquecido de todos nós.

PS: Duas notas finais para duas características da escrita de João Ubaldo: o erotismo e o humor. O erotismo assume nesta obra, tal como para o personagem/narrador, um sentido utilitário, muitas vezes violento, também o erotismo é neste relato uma confrontação com o leitor. Quanto ao humor, este parece à primeira vista estar ausente deste livro, mas está lá – insidioso e questionador como tudo o resto, mas presente sem dúvida.

Dois dias

Como muitas vezes tenho lido nos blogs que visito, escrever um blog torna-se em pouco tempo uma necessidade. Isto vem a propósito de nos últimos dois dias eu não ter tido tempo para escrever e colocar qualquer post. Ao contrário de outras vezes em que a motivação para não escrever estava relacionada com a preguiça ou a falta de vontade, nestes dois dias houve vontade mas faltaou-me o tempo. Por isso, percebi com mais acuidade que estou viciado nesta "comunicação". E pior do que isso, eu gosto.

terça-feira, novembro 04, 2003

(...)

Hoje no meu leitor de CD's:

Is everybody in?
Is everybody in?
Is everybody in?
The ceremony is about to begin.

Wake up!

You can't remember where it was
had this dream stopped?


Shake dreams from your hair
My pretty child, my sweet one.
Choose the day and choose the sign of your day
The day's divinity
First thing you see.

A vast radiant beach in a cool jeweled moon
Couples naked race down by it's quiet side
And we laugh like soft, mad children
Smug in the wooly cotton brains of infancy
The music and voices are all around us.

Choose they croon the Ancient Ones
The time has come again
Choose now, they croon
Beneath the moon
Beside an ancient lake
Enter again the sweet forest
Enter the hot dream
Come with us
Everything is broken up and dances.


PS: Relembrando o tempo em que ouvia uma K7 com uma má reprodução do LP.

segunda-feira, novembro 03, 2003

Auto-retrato (5)


Auto-retrato. 1907
Pablo Picasso (1881-1973)

domingo, novembro 02, 2003

Sexo – Do tabu ao lugar comum

O sexo sempre foi, e continua a ser, um tema sensível. Talvez por isso na abordagem a este tema as pessoas evoluiram do “período do tabu” que durou até sensivelmente metade do século passado para um “período do lugar comum” no qual vivemos. Apesar da óbvia importância do tema, as pessoas insistem, ainda, em optar por uma destas tendências: ou assobiam para o lado ou dizem um monte de lugares comuns, e se forem homens assumem sempre uma posição misógina.
E reparado com alguma tristeza que os blogs não são excepção nesta matéria.

Quem amamos?

Ontem no programa “Estes difíceis amores” na NTV ouvi, pela voz do Dr. Júlio Machado Vaz e com a concordância da Dr. Gabriela Moita, a teoria segundo a qual a nossa capacidade para amar não está dependente do sexo da outra pessoa. Ou seja, naturalmente nós amamos um ser humano individual, e esse amor não depende do sexo dessa pessoa. Esta ideia parece-me certa, intuitivamente certa, mas é claro que a tradição cultural, e isso foi salientado por ambos, nos impõe padrões de comportamento que bloqueiam esses sentimentos. Eu próprio, apesar de considerar a teoria plausível, nunca senti qualquer atracção por uma pessoa do meu sexo, o que só confirma que mesmo conscientes dos bloqueios que nos foram impostos temos dificuldade em agir contra eles.

Momento Zen

Uma das minhas maiores satisfações é cumprir os prazos de qualquer actividade a que me dedique. E hoje acabei um trabalho que deveria estar pronto amanhã. Estou feliz.

Rui Rio

Depois de ouvir hoje o Pacheco Pereira na SIC a fazer a defesa militante do Rui Rio (desta vez a propósito de uns anormais que o insultaram na zona das Antas) lembrei-me de escrever umas palavras sobre este insólito político.
Eu concordo com a maioria das ideias apresentadas e executadas pelo Rui Rio à frente da Câmara do Porto, destaco a coragem com que enfrentou a questão da corrupção na área da fiscalização, mas, e há sempre um mas, não posso defender o Rui Rio quando este assume um comportamento suicidário na sua acção politica. Rui Rio não tem as mínimas capacidades comunicativas, não é capaz de convencer ninguém da justeza dos seus projectos e além disso demonstra uma capacidade ilimitada para fazer “birras”. Um politico assim, não é capaz de assumir um cargo deste tipo e será em grande parte por incapacidade sua que perderá nas próximas eleições autárquicas.

PS: Admito que ter como interlocutores pessoas como o Pinto da Costa não é fácil para qualquer pessoa normal, mas a solução não é fazer “birra”.

Sobre a religião

Depois de ter colocado o post anterior fiquei a pensar se não estaria a induzir em erro os leitores é que apesar da temática religiosa de muitos dos últimos posts eu não acredito em Deus. Da religião guardo apenas, digo apenas mas é uma grande herança, aquilo a que habitualmente se designa por ética cristã.
E, talvez por isso, tenho nos últimos tempos dedicado as minhas leituras à religião, não só o cristianismo mas outras, daí a profusão de textos e quadros sobre o tema.

Sabedoria

“Jesus disse: E se alguém conhecesse o universo todo mas não se conhecesse a si mesmo, teria então falhado no que respeita ao conhecimento da totalidade”
in Evangelho de São Tomé (este evangelho faz parte de um conjunto de documentos encontrados no Egipto no século passado e, como o próprio nome indica, é geralmente atribuído ao apostolo Tomé)