sublinhar

sexta-feira, outubro 31, 2003

Auto-retrato (4)


Self-Portrait with badges, 1961
Peter Blake (1932 - )

(...)

Canção

Pára, cobra, pára,
e que minha irmã copie as tuas cores tão belas,
modelo de faixa luxuosa
que darei à minha amada.
A tua beleza, ó cobra, será a mais alta
entre a beleza de todas as cobras.

Guaranis, América do Sul
Versão: Herberto Hélder
in Rosa do Mundo (Assírio&Alvim)

Cobra coral

Pára de ondular, agora, cobra coral:
a fim de que eu copie as cores com que te adornas,
a fim de que eu faça um colar para dar à minha amada,
a fim de que tua beleza
teu langor
tua elegância
reinem sobre as cobras não corais.

Texto de Waly Salomão
Música de Caetano Veloso
(Ouço-a no dueto de Caetano com Lulu Santos no CD “Noites do Norte – ao vivo”)

quinta-feira, outubro 30, 2003

14. [Diário]

A verdade é que a imperfeição da forma também pode esconder o vazio.

13. [Diário...]

Na escrita, como nas pessoas, a perfeição da forma pode servir apenas para esconder o vazio. E o vazio não é nada interessante.

12. [Diário..]

Viver
Leio no A Aba de Heinsenberg: Muere lentamente de Pablo Neruda. E também me apetece gritar:
¡ Vive hoy !
¡ Arriesga hoy !
¡ Hazlo hoy !
¡ No te dejes morir lentamente !
¡ NO TE IMPIDAS SER FELIZ !

Auto-retrato (3)


Self-portrait, 1986
Andy Warhol (1928-1987)

Figuras (2)

Há muito tempo que venho chamando a atenção dos meus amigos para as entrevistas televisivas do nosso Procurador-geral da República. É que apesar da dignidade do cargo, o senhor insiste em fazer declarações nos sítios mais ridículos e nunca, mesmo nunca, no seu gabinete. Já o via a dar entrevistas junto à porta da procuradoria, junto a uma parede cheia de graffiti's, numa placa de peões no meio de uma avenida, etc. Agora surgiu nas televisões a sua versão macaense e tivemos direito a declarações ladeado por dois seguranças orientais e a melhor até hoje: a declaração na rua com ramo de flores ao peito.
Vale a pena continuar a acompanhar o percurso deste artista das declarações televisivas.

Figuras (1)

Eu já esperava que o “processo Casa Pia” fosse pródigo em polémicas, recursos, mau jornalismo e tudo o mais que um caso deste tipo costuma implicar. Mas confesso que não esperava uma figura tão ridícula como o Dr. Rui Frade. Mas o que mais me espanta é como pôde ele pensar que todas as suas patéticas mentiras se iriam aguentar à pressão do “circo mediático” que envolve este caso.
Será que ele não devia considerar consultar um psiquiatra?
Mas um psiquiatra a sério, claro.

11. [Diário...]

Este ruído de fundo perturba-me. Estou farto de perder tempo com pessoas de quem não gosto, por quem não me interesso. E que, provavelmente, não gostam de mim, não se interessam por mim. Tanto tempo perdido. E para os poucos que amo, que me despertam, que me envolvem, que me fazem sentir vivo. Para esses tenho tão pouco tempo, porque o tempo foi perdido no existir quotidianamente. No não-existir quotidianamente.

10. [Diário...]

Leio o último post. Não gosto. Também não apago. Escrever assim depressa, ao saber do momento, impõe esta disciplina. Não apagar a memória. Mesmo que não corresponda exactamente ao que procuro. Fica.

quarta-feira, outubro 29, 2003

Auto-retrato (2)


Self Portrait with Cigarette, 1895
Edvard Munch (1863-1944)

9. [Diário...]

A história que tenho para contar é simples… e no entanto que complicada é a história que tenho para vos contar.
Ontem. Eu parado junto à paragem esperando o autocarro. Uma mulher parada lá longe olhando a montra da pastelaria. Depois de uma breve hesitação ela começa a andar, aproxima-se. Detém-se de novo, olha a montra de uma loja de tintas. Hesita, volta a andar, detém-se de novo, agora entra na loja seguinte. Sai. Aproxima-se cada vez mais, entra na loja mais perto do sítio onde estou parado, uma lavandaria. Sai breves momentos depois. Volta, hesitante, à montra da pastelaria.
Eu penso: Está à espera de um autocarro; está à espera de alguém.
Alguém. Um homem detém-se junto dela. Falam um minuto no máximo. O homem afasta-se, ela continua ali, junto à pastelaria. Hesita de novo e caminha na direcção onde eu estou.
Eu penso: O que está ela a fazer?
Fica a um metro de mim, junto à montra da lavandaria. Olha a montra. Agora olha também para mim, de vez em quando. É natural eu estava a observá-la.
Eu penso: Está triste. Quase se formam lágrimas nos seus olhos.
Ela parece hesitar. Não sei entre o quê, mas hesita, sente-se que hesita.
Olha-me. De repente parece decidida, faz um gesto de movimento para onde eu estou. Mas não se mexe. Fica parada e olha para mim, mais vezes.
Eu penso: Não percebo. Digo qualquer coisa? O quê? Ela está muito perto e olha para mim, mais vezes. Agora sou eu que hesito. Não percebo nada.
Ela recomeça a andar. Estava parada ao meu lado esquerdo, desce um pouco a rua e detém-se ao meu lado direito.
Eu penso: Ela está a olhar para mim porque eu estava a olhar para ela, ou por outro motivo?
Ela continua a olhar para mim. Continua triste. Eu acendo um cigarro.
E penso: Se ela quiser falar pede-me um cigarro, ou lume, ou sei lá.
Ela afasta-se exactamente no momento em que acendo o cigarro. Ela desce a rua. Eu continuo à espera do autocarro.
E penso: Nunca mais vem.
Alguns minutos depois ela volta. Passa por mim. Fica parada junto à montra da loja das tintas. Está a fumar.
Finalmente chega o autocarro. Muita gente para entrar. Ela avança na direcção onde eu estava, eu entro no autocarro. Ela detém-se na rua, junto à farmácia. Eu vou.
Eu penso: Quem eras tu? Porque estavas triste? E agora?

terça-feira, outubro 28, 2003

Conhecimento

É curiosa a quantidade de afinidades que encontramos nos textos de todas as crenças e mitos do mundo. Parece que em diferentes pontos do globo (muitas vezes desconhecidos entre si) as mesmas ideias despontaram como naturais. E, ainda mais curioso, é ver como essas ideias têm muito em comum com aquilo que a ciência nos diz.
Um exemplo: o mar aparece em quase todas as culturas como o lugar de onde provém a Vida. Agora, parece-nos uma ideia vulgar. Mas de onde veio esse conhecimento há milhares de anos atrás? Como é que tantas culturas diferentes identificaram essa “fonte da vida”?
É belo este mundo do mito e da fé.

8. [Diário...]

O Outono. Caminhar. Calcar as folhas caídas. E a luz. A luz do Outono, o sol filtrado por nuvens diversas, luzes diversas. Caminhar. Procurar os sinais ocultos, porque todo o verdadeiro mundo, todo o verdadeiro sentimento, se joga de forma subtil. Depois conto-vos uma estória e vão perceber. Ou não. Na verdade eu não percebi, ainda. Depois vos conto. De noite, porque só assim está certo.

segunda-feira, outubro 27, 2003

7. [Diário...]

Hoje sonhei que era um corvo metálico. Um corvo metálico cinzento. Um corvo metálico cinzento que com outros corvos metálicos cinzentos voava em redor de uma torre metálica cinzenta. A Torre Metálica Cinzenta era muito alta e eu e os outros corvos metálicos cinzentos voávamos lá no alto junto ao topo da Torre Metálica Cinzenta. Cá em baixo, muito em baixo, a Torre Metálica Cinzenta estava assente na areia de uma praia muito grande, ao lado de um mar muito grande. E eu, corvo metálico cinzento, voava lá em cima em redor da grande Torre Metálica Cinzenta. Voava. Voava. Voava. Acordei.

6. [Diário...]

Segundo dia. Difícil escrever sentindo-me vigiado, sentindo que vários olhos me observam. Esta consciência do outro atordoa-me por momentos mas recupero.
Aqui frente ao teclado só eu importo. Esta luta realiza-se dentro de mim. Sou eu que me reflicto, sou eu que me sinto, é a mim que me minto, só eu aqui sofro.

Auto-retrato (1)


Self-Portrait with Bandaged Ear, 1889
Vincent van Gogh (1853-1890)

5. [Diário...]

Agora a experiência é publicar-me, ou melhor publicitar-me.
Talvez a palavra que procuro é dar-me.
Dar-me. Sim, é isso.

4. [Diário dos Ultimos Dias]

Lamento, por vezes, a falta de ponderação destas palavras. Mas reconheço-me nesses cadernos que juntei ao fim de tantos anos. São cadernos caóticos, pensamentos dissonantes. Mas, de algum modo, eu estou ali. Desfigurado, corrompido… mas sim, sou eu, ali.

3. [Diário dos Ultimos Dias]

Este elo entre mim e a palavra escrita. Entre o que sinto e aquilo, que mal, reproduzo em letrinhas que se formam no ecrã. Este elo fascina-me.
Trago-me assim, amarrado a uma montanha de páginas impressas.

2. [Diários dos Ultimos Dias]

Será que tudo isto precisa de ser ouvido (lido)? Não sei, a urgência está na escrita. Dedilho o teclado com sofreguidão, como se o ecrã me fosse revelar quem verdadeiramente sou… ou apenas se realmente sou.

domingo, outubro 26, 2003

A Criação da Mulher

"Foi fácil fazer o homem mas, quando chegou a altura de desenhar a mulher, Tu-chai-pai achou que deveria empenhar-se um pouco mais; demorou mais tempo a moldar a mulher do que a erguer os vales e as montanhas do mundo."

A Criação
Diguenhos, América do Norte
in Rosa do Mundo (Assírio & Alvim)

A crucificação de Cristo (10)


Christ on the Cross adored by Donors
c. 1585-1590
El Greco

1. [Diário dos Ultimos Dias]

O objectivo é escrever depressa. Com a cadência própria de quem coloca todo o seu ser na página de papel, no ecrã do computador. Este blog é assim. Escrevo no fio da navalha...com a pressa própria de quem não pode esperar. E porque não posso esperar? Não sei...não quero saber. Talvez essa dúvida não me interesse, isso pode acontecer, ou não?
Ter um blog é no meu caso apenas o reflexo de ler outros blog. E nesses outros blogs é mais o que leio nas entrelinhas do que o que realmente se escreve. Talvez (desconfio que quase sempre) me engane naquilo que penso ser o significado dessas entrelinhas, mas por outro lado talvez não, talvez acerte também muitas vezes. Não interessa. Vocês que escrevem importam-se de ser para mim apenas aquilo que eu imagino que sejam? Espero que não.
Eu, pelo meu lado, só sei escrever assim. Em catadupas de palavras...com a pressa que não sei de onde me vem...dizendo tudo que sinto...não tenho pudores, não sei por que os ter. Estou aqui anónimo. Anónimo, não para cometer crime, mas porque me quero assim. Dissolvido em vós.

sábado, outubro 25, 2003

A crucificação de Cristo (9)


The Crucixion, 1510-1515
Mathias Grunewald

A Luis de Camões

Sem cólera nem mágoa arromba o tempo
As heróicas espadas. Pobre e triste,
À nostálgica pátria regrediste
Pra com ela morrer nesse momento,
O Capitão, no mágico deserto.
Tinha-se a flor de Portugal perdido
E o áspero espanhol, antes vencido,
Ameaçava o seu costado aberto.
Quero saber se aqúem da derradeira
Margem compreendeste humildemente
Que o império perdido, o Ocidente
E o Oriente, o aço e a bandeira
Perduraria(alheio a toda a humana
Mudança) em tua Eneida lusitana.

Jorge Luis Borges
in Obras Completas - Vol. II (Teorema)

O sono

Quando os relógios da meia-noite oferecerem
Um tempo generoso,
Irei mais longe que os remadores de Ulisses
À inacessível região do sono,
À memória humana.
Dessa região imersa resgato restos
Que nunca chego a compreender:
Ervas de botânica simples,
Animais um pouco diferentes,
Diálogos como os mortos,
Rostos que são na verdade máscaras,
Palavras de línguas muito antigas
E às vezes um horror incomparável
Ao que nos pode dar o dia.
Serei ninguém ou todos. Serei o outro
Que sem saber eu sou, o que observou
Esse outro sono, a minha vigília. Julga-a,
Resiganado e sorridente.

Jorge Luis Borges
in Obras Completas - Vol. III (Teorema)

A crucificação de Cristo (8)


The Crucifixion
Mathias Grunewald

sexta-feira, outubro 24, 2003

Os meus livros

Os meus livros (que não sabem que existo)
São uma parte de mim, como este rosto
De têmporas e olhos já cinzentos
Que em vão vou procurando nos espelhos
E que percorro com a minha mão côncava.
Não sem alguma lógica amargura
Entendo que as palavras essenciais;
As que me exprimem, estarão nessas folhas
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo.
Mais vale assim. As vozes desses mortos
Dir-me-ão para sempre.

Jorge Luis Borges
in Obras Completas - Vol. III (Teorema)

A crucificação de Cristo (7)


Cristo Crucificado
Salvador Dali

A crucificação de Cristo (6)


Rubens

quinta-feira, outubro 23, 2003

A crucificação de Cristo (5)


Calvary
Andrea Mantegna
Museu do Louvre, Paris

quarta-feira, outubro 22, 2003

(..)

"Shopenhauer dizia que procurar uma finalidade na história é como procurar baías, rios ou leões nas nuvens - encontramo-los porque os procuramos."

Jorge Luis Borges
in Em Diálogo com Jorge Luis Borges (Volume II),Osvaldo Ferrari (Círculo de Leitores)

A crucificação de Cristo (4)


Escultura em madeira de Pau-Santo e marfim com incrustações de prata e pedras semi-preciosas
Arte Indo-Portuguesa
Século XVIII, 1ª metade
Museu de Angra do Heroísmo

terça-feira, outubro 21, 2003

Celebração

Com dois dias de atraso celebro aqui os 90 anos do nascimento do Poetinha. Fica aqui a letra da música com que ele e o Tom conquistaram o mundo.

Garota de Ipanema

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
Num doce balanço
A caminho do mar

Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, por que estou tão sozinho?
Ah, por que tudo é tão triste?
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor

Uma letra impossível de ler sem cantar, porque esta música é perfeita e inesquecível.

A crucificação de Cristo (3)


La Crucifixión, 1930
Picasso

(...)

"Parece-me que uma pessoa culta tem de ser ética. Por exemplo, costuma supor-se que os bons são tontos e que os maus são inteligentes; e eu acho que não, acho que, com efeito, se dá o contrário. As pessoas más são, em geral, também ingénuas: uma pessoa age mal porque não imagina o que a sua conduta pode causar na consciência de outros. DE modo que creio que há mais inocência na maldade e inteligência na bondade. Além disso, a bondade, para ser perfeita - penso que ninguém chega à vondade perfeita - tem de ser inteligente. Por exemplo, uma pessoa boa e não muito inteligente pode dizer coisas desagradáveis. Em compensação, uma pessoa, para ser boa, tem de ser inteligente porque se não, a sua bondade será... imperfeita, por dizer coisas incómodas para os outros e não se aperceber."

Jorge Luis Borges
in Em Diálogo com Jorge Luis Borges (Volume I),Osvaldo Ferrari (Círculo de Leitores)

segunda-feira, outubro 20, 2003

A crucificação de Cristo (2)


Christ Crucified, 1632
Diego Velázquez
Museu do Prado, Madrid

(...)

..."procurar a serenidade parece-me um ambição mais razoável do que procurar a felicidade. E, talvez, a serenidade seja uma forma de felicidade."

Jorge Luis Borges
in Em Diálogo com Jorge Luis Borges (Volume I),Osvaldo Ferrari (Círculo de Leitores)

(...)

"... duas pessoas fizeram-me a mesma pergunta; a pergunta é: "Para que serve a poesia?" E eu disse-lhes: "Bom, para que serve a morte? Para que serve o sabor do café? Para que serve o universo? Para que é que eu sirvo? Para que é que servimos?" Que coisa mais estranha perguntar-se isso, não é?"

Jorge Luis Borges
in Em Diálogo com Jorge Luis Borges (Volume I),Osvaldo Ferrari (Círculo de Leitores)

A crucificação de Cristo (1)


Corpus Hypercubus (ou Crucificação)
Dalí

(..)

" O que é importante é que haja um propósito ético no universo. Se houver um propósito ético, e se o sentirmos, bom, já se tem uma mente religiosa. E eu penso que devemos tentar acreditar num propósito ético, embora, de facto, não exista. Mas, enfim, isso não depende de nós, pois não?"

Jorge Luis Borges
in Em Diálogo com Jorge Luis Borges (Volume I),Osvaldo Ferrari (Círculo de Leitores)

domingo, outubro 19, 2003

O Paraíso na Outra Esquina

Acabei de ler “O Paraíso na Outra Esquina” há alguns dias, como devem ter notado pelo fim dos posts com quadros do Paul Gauguin, e já na altura me apetecia escrever algumas coisas sobre ele mas não foi possível, por isso volto ao assunto.
O livro retrata o período final da vida de duas personagens reais – Gloria Tristán e o seu neto Paul Gauguin. Duas pessoas que buscam a ideia (diz-se o ideal) de um paraíso terrestre – a avó procura-o na União dos Trabalhadores e o neto na busca de uma ilha selvagem não corrompida pela decadente cultura europeia. Escusado será dizer que ambos falham nessa busca. Este é portanto um romance sobre o séc. XIX, sobre a ideia de ideal e sobre demanda por esse ideal, ou seja, sobre um mundo incompreensível para nós.
Neste romance Vargas Llosa retrata essas duas personagens com o carinho que votamos a esses nossos antepassados que ousaram sonhar com essa, digamos para facilitar, ingenuidade. Mas nós hoje sabemos que o final de todas essas utopias foi sangrento, e já não podemos (conseguimos? queremos?) sonhar assim. Hoje já não conseguimos antever o paraíso ali na outra esquina. O paraíso está-nos vedado, definitivamente.

quinta-feira, outubro 16, 2003

A correr

Por estes dias não tenho conseguido qualquer tempo para mim. Terminada a licenciatura há um conjunto de tarefas a fazer: inscrever-me no Centro de Emprego à espera de um estágio profissional; procurar anúncios nos jornais; o aumento dos mais diversos contactos sociais que me possam ser úteis para encontrar emprego. Além disso, fruto do meu gosto pelo risco, já me envolvi em um projecto que apesar de ser muito aliciante e representar uma oportunidade única de aprendizagem, implica esperar até meados de 2004 para ter alguma remuneração.
Não tenho tido tempo para nada. Mas estão reunidas as condições para a partir de amanhã voltar ao ritmo normal aqui no Sublinhar e espero nunca mais ter que vos aborrecer com o relato das minhas actividades profissionais.

terça-feira, outubro 14, 2003

(..)

"Alguma coisa decidiu que eu vou existir, alguma coisa que foi talvez apenas o acaso, alguma coisa me impôs que eu fosse aquilo que sou, sou uma pessoa individual. Se os meus pais não se tivessem conhecido, essa imposição não teria existido.
E com que brio me esforço por desempenhar esta tarefa que não pedi! E que bizarro, identificar-me eu com isto! Não é que preferisse estar morto, não é isso que eu quero dizer. Mas preferia não ter que ser uma dada pessoa."
Lars Gustafsson
in História com cão (Asa)

domingo, outubro 12, 2003

Obsessões nocturnas e outras histórias (1

Fantasma de que corpo que me enlouqueces. Sonho de um sonho que sempre foste. Sonhei-te? Sonho-te ainda? Que realidade és tu?

Quanto tempo vivi nesse sonho que construí contigo? Quanto tempo, quantos dias, meses, anos, estive perdido de mim julgando-te outra? E para que serviu tudo isto?

És o ópio que me ajuda a esquecer. A viver a vida apenas na periferia.

Esta solidão arrasta-me para o nada. Como um barco à deriva de não sei que tempestade. A tempestade não existe. Existo eu. E tu?

Como és tudo na realidade? Existes por trás do sonho em que te fiz?

Sim, sei que tens existência própria, para lá do pesadelo de seres comigo…

A que distância neste momento está o teu corpo do meu? Não será mais que um quilómetro em linha recta. Esse espaço equivale à separação eterna.

Já não podemos ser os dois. Apenas cada um de nós sozinho.
Entendes isso?
Sim, tinhas entendido tudo antes de mim.

Separados pelo medo da perfeição. Sem coragem para empreender a viagem da nossa derrota. Que suburbanos que somos, tu e eu. Sempre com medo de arriscar o que temos.

E o que temos agora? Sabes-me dizer?
Que restou de todo esse conhecimento do outro para além de uma tristeza infinita?

(...)


Paul Gauguin
Where Do We Come From? What Are We? Where Are We Going?, 1897.
Boston, Museum of Fine Arts

sábado, outubro 11, 2003

(...)


Paul Gauguin
Nevermore
Londres, Courtauld Institute Galleries

sexta-feira, outubro 10, 2003

(...)

Que seria, pois, de nós, sem a ajuda do que não existe?
Paul Valéry
in Breve Epístola sobre o Mito


Manao Tupapau
Paul Gauguin

quarta-feira, outubro 08, 2003

Mario Vargas Llosa



Ainda não comecei a ler “O Paraíso na Outra Esquina”. Com os livros de Vargas Llosa tenho o hábito de retardar o início da leitura uma vez que sei de antemão que depois de começar tudo o resto terá que esperar.
Ainda não abandonei Canudos e já li “A Guerra no Fim do Mundo” há meses, e a Republica Dominicana continua a ser para mim o país da ditadura de Trujillo (“A Festa do Chibo”) e não o país dos hotéis de férias tropicais.
Um autor que certamente voltará muitas vezes a este blog.

PS: Todos os livros mencionados são editados em Portugal pela Dom Quixote

Dois factos e uma conclusão

1º Facto: Hoje terminei a Licenciatura em Administração Pública.
2º Facto: Hoje comprei o mais recente romance de Mario Vargas Llosa – “O Paraíso na Outra Esquina”.
Conclusão: Quanto mais perto estou de definir caminhos de longo prazo para a minha vida maior é a necessidade de manter todas as outras portas abertas.

O local errado

Eu compreendo a alegria dos amigos de Paulo Pedroso pelo fim da sua prisão preventiva. É também um facto que um grande número dos seus amigos exerce funções como deputado na Assembleia da República Portuguesa. Mas daí até utilizar a A.R. como cenário de uma espécie de apoteose da sua libertação vai uma grande diferença. Até porque Paulo Pedroso era, e continua a ser, suspeito numa investigação sobre crimes de pedofilia e não um preso político. Não há portanto qualquer motivo para o vergonhoso espectáculo mediático a que assistimos hoje no Parlamento, se o PS quer comemorar que o faça na sua sede.

A quem possa interessar

Honra1. princípio ético que leva alguém a ter conduta proba, virtuosa, corajosa, e que lhe permite gozar de bom conceito junto da sociedade.

Dicionário Houaiss de Língia Portuguesa
Círculo de Leitores

segunda-feira, outubro 06, 2003

(..)

"Penso que só há um caminho para a ciência ou para a filosofia: encontrar um problema, ver a sua beleza e apaixonar-se por ele; casar e viver feliz com ele até que a morte vos separe - a não ser que encontrem um outro problema ainda mais fascinante, ou, evidentemente, a não ser que obtenham a solução. Mas, mesmo que obtenham a solução, poderão então descobrir, para vosso deleite, a existência de toda uma família de problemas-filhos, encantadores ainda que talvez difíceis, para cujo bem-estar poderão trabalhar, com um sentido, até ao fim dos vossos dias."

Karl Popper

domingo, outubro 05, 2003

Quase surrealismo – Pessimismo

Para continuar a minha vida tinha que apanhar um autocarro na paragem ali ao virar da esquina. Acontece que não cheguei a tempo e perdi o autocarro. Ainda estou à espera do próximo, que tarda em chegar. Temo vir a morrer aqui na paragem, parado.

A Walk down the memory lane (6)

Sem título

Gosto desta ideia de atirar palavras ao mundo. Gosto de saber que alguém lê aquilo que escrevo. Gosto desse alguém.
Gosto dos acasos que trazem o visitante aqui. Gosto que esses visitantes se afastem com opinião, boa ou má, sobre mim. Gosto ainda mais dos que voltam.
Gosto de quem comenta. Gosto dos comentários. Gosto de gostar de tudo isso.
Gosto de estar aqui presente. Gosto também de estar ausente.
Eu gosto de gostar asssim.

29/07/2003

A Walk down the memory lane (5)

ID (4) – Pensamentos imperfeitos

Não sei se me faltam objectivos na vida ou se me coloco propositadamente objectivos inalcançáveis. Portanto não sei se o que me dói é não ter objectivos ou não atingir os objectivos que tenho.

ID (5) – Pensamentos quase perfeitos

O inesperado é uma óptima justificação para continuar vivo.

ID (6) – Pensamentos perfeitos

Amo-te

23/07/2003

A Walk down the memory lane (4)

Oração

Lembro-me das palavras partilhadas,
Dos teus cabelos molhados da chuva
E do sabor quente da tua pele.
Mas lembro tudo sem exactidão
Como se não existisses já
Apenas o teu sorriso é hoje.

Posso, enquanto durmo,
Recordar os teus olhos negros
E o lento mexer dos teus lábios.
Mas é sem ver que os vejo
É do esquecimento que surgem,
Apenas o teu sorriso é hoje.

E quando a memória dos teus gestos
Me surge durante o sono
E a insuportável palavra amor
Acorre aos meus lábios do passado
Acordo tremendo e sei, que
Apenas o teu sorriso é hoje.

22/07/2003

A Walk down the memory lane (3)

ID (3)

“Um quietismo estético da vida, pelo qual consigamos que os insultos e as humilhações, que a vida e os viventes nos infligem, não cheguem a mais que a uma periferia desprezível da sensibilidade, ao recinto externo da alma consciente.

Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer.”

Livro do Desassossego – Bernardo Soares
(Assírio & Alvim)

21/07/2003

A Walk down the memory lane (2)

Fragmentos (2) – Um lugar, que lugar

Há um lugar físico na minha cidade que é mais lugar imaginado na minha memória do que o lugar físico que realmente é. Passo por lá e não sinto o empedrado da rua que é, não vejo a igreja que também é, e sou transportado para um tempo que foi.
E como não recuso o ridículo da minha pessoa, relembro sempre um amor adolescente que não chegou a ser. Transformo-o numa miríade de destinos fabulosos que recusei, e sinto-me triste, de uma tristeza irónica em que não chego a acreditar.
Como, se ter-te beijado fosse a porta para ser tudo que não fui.
A única coisa que redime o adolescente que fui é a desculpa freudiana da criança que também fui.

21/07/2003

A Walk down the memory lane (1)

ID (1)

Tenho dias em que me sinto nulo, em que renuncio a viver quotidianamente.
Nesses dias, escrever parece-me o desfiar de nada. Um gesto lento e sem fé, como o rezar a um deus que se sabe não existir.
Mas se tenho que acreditar em algo mais vale que sejam as palavras do que um deus ausente.

20/07/2003

Resolvi apagar o meu anterior blog (Intervalo Doloroso), mas fiquei com vontade de preservar a memória electrónica de alguns posts e por isso abriguei-os aqui.

Pessoal e Incompreensível (Post condenado ao desaparecimento)

Ainda te amo mas já não te quero.

Hoje


As Horas

sábado, outubro 04, 2003

(.,.)

"Nenhum pintor mostrou de modo mais impiedoso que o mundo não é mais que um lugar de passagem"

W. Somerset Maugham
in Servidão Humana


El Greco,View of Toledo
The Metropolitan Museum of Art (New York)

(..)

“Cronshaw seguira esse caminho e por isso a sua existência redundara num lamentável desastre. Pelos modos, não se devia confiar nos instintos. Philip estava perplexo. Se aquela norma de vida era inútil, que outra havia, afinal? E porque agiam as pessoas desta maneira e não daquela? Portavam-se de acordo com os seus sentimentos, mas esses sentimentos podiam ser bons ou maus. Parecia questão de puro acaso levarem ao triunfo ou ao desastre. A vida afigurava-se-lhe uma inextrincável confusão. Os homens corriam de um lado para o outro, apressados, impelidos por forças que desconheciam. E o objectivo daquilo tudo escapava-lhes. Davam a impressão de se apressarem apenas pelo amor à pressa.”

W. Somerset Maugham
in Servidão Humana

quinta-feira, outubro 02, 2003

......

“We might be through with the past, but the past ain't through with you”

in Magnolia

Subsidiariedade

“O problema é "a dificuldade em tirar seja o que for de Lisboa", acrescentou o primeiro-ministro. É com certeza essa dificuldade que leva um governo e uma certa "inteligentzia" que se designam como liberais a duvidar de uma das essências do liberalismo: tudo o que se puder decidir e fazer à escala local e regional não deve ser feito pelo centro do poder.”

Manuel Carvalho
in Público (02/09/2003)