sublinhar

segunda-feira, novembro 29, 2004

Pequena reflexão sobre o tempo…(tardia, absurda, mas só assim faz sentido)

Acontece-me, por vezes, morrer devagarinho à noite. E no dia seguinte é enorme o esforço de ressuscitar, como se a morte tivesse acontecido na verdade e não fosse apenas uma momentânea desavença da vontade com aquela parte de mim que insiste que viver existe porque existe. Acontece-me morrer assim muitas vezes, e do tempo que já perdi levantando-me como lázaro à voz de outrem que afinal sou eu também, desse tempo sei que me fazia falta para um sorriso, um palavra, um momento que fosse, a mais numa noite em que os minutos se mantiveram estupidamente inalterados. Presumo que não terei sido eu, então. Mas sei que fui. Amanhã, outra vez, de todos os minutos do dia, quantos poderei usar para dizer que gosto muito de ti?

Flores Do Mais

Devagar escreva
uma primeira letra
escreva
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro olhar
sobre o galope molhado
dos animais;
devagar
peça mais
e mais e
mais


Ana Cristina César

pensamentos que acontecem

O suicídio de alguém, seja quem for, sempre me trouxe a perplexidade dos que ficam, embora não saibam bem porquê.

sexta-feira, novembro 26, 2004

Digital

Feel it closing in, feel it closing in
A fear of whom I call,
hearing someone call
I feel it closing in, I feel it closing in
Day in, day out

I feel it closing in,
As patterns seem to form
I feel it cold and warm
As shadows start to fall
I feel it closing in, I feel it closing in
Day in, day out

I'd have the world to just see
whatever happens to my decorum
And then just fade away
I see you fade away, don't ever fade away
I need you here today
Don't ever fade away
Fade away
Fade away
Fade away


quinta-feira, novembro 25, 2004

Re[post]o

Psicografia
Também eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não soube e digo
da palavra: não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto.

Ana Cristina César

segunda-feira, novembro 22, 2004

antes da palavra

"É o que falta que fala
do lugar do exílio
do sentido e da falta de sentido."
Tudo o que te disser - M.A. Pina




As palavras contraem-se entre os dedos inábeis de quem escreve. No início, a primeira linha de caracteres negros, soletram não sei que necessidade de transcender Isto. Só depois, lentamente, momentos antes do silêncio, regressa a linha que envolve os sentimentos outros dos outros, a simetria. Suponho que a verdade existirá entre as margens da existência de quem, imagino, existe. Assim, sempre entre pausas, como se houvesse a vontade de confinar as palavras ou, como se quem escreve pretendesse remover os pensamentos que existem ainda antes da palavra escrever, ou do gesto. Tudo isto na margem do silêncio da escrita, no espaço ténue entre querer marcar a página com tinta preta inexistente e o gesto lasso de desistir.
De quê? – perguntas no teu silêncio.
Da memória que não existe ou do futuro, tanto faz.

A serenidade é um sentimento estimável

Há dias em que as palavras estão lá atrás, escondidas. Mas o mundo não permanece num silêncio expectante, na verdade, nem nós.

O incerto calor que à tarde aquece os nosso corpos dolentes, o café que bebemos enquanto esperámos que do rio surja uma visão qualquer, até a conversa com que entretemos as horas que vivemos, tudo isto enche o espaço de sons sossegados, inscritos no esquecimento dos horários imprescindíveis do destino.

Amanhã, ou talvez em qualquer outra altura, uma palavra ultrapassará a barreira do som, e eu não precisarei mais de gritar no silêncio.

Mas isso agora é substituído pelo cigarro que fumo enquanto a sala se enche (e até um estranho calor se sente agora) de música.

Este espaço não é de sofrimento, esquecimento, espera, enfim... este espaço vive da calma que existe: este momento vive de um momento, como quando me olho ao espelho, e a imagem reflectida é uma construção minha que não existe só em mim. Sou eu, distante na soma de dois eus, um deles cedido, construído em co-autoria, nem sei como o dizer.

Está frio também, embora se sinta apenas pelas frinchas das portas, imiscuindo-se neste espaço que navega um pouco acima do mundo tal como o mundo existe.

Neste momento a música parou por instantes e deixo-me estar a ouvir um cão a ladrar na vizinhança, um ladrar calmo. Lembro-me: tenho saudades da chuva a bater no telhado de zinco da garagem do vizinho, tenho saudades do chá quente com torradas em dias de Inverno em que me molhei tantas vezes. Ou o teu cabelo molhado.

A serenidade é um sentimento estimável agora que escrevo o último post, fumo o último cigarro e me preparo para ir dormir.

O mundo amanhã encher-se-á de vozes mas só a ti irei ouvir com esta atenção.

domingo, novembro 21, 2004

Morvern Callar

Este filme apela de uma forma única à sensação táctil. Por causa dos planos aproximados de que é feito grande parte do filme e da forma como a óptica tentar captar o interior da personagem envolvendo-a, vivendo dela. Um filme que me levou a sentir, com todos os sentidos, os corpos estendidos, a terra, os insectos, o sangue, o calor do cigarro, o álcool. Estive no filme mais do que vi o filme e quando o cinema consegue isso as palavras ficam sempre longe daêxperiência que vivemos.


quinta-feira, novembro 18, 2004

on the road to nerverland...

um discurso interminável. o desejo
o homem encerrado num sonho. flutuando.
Começa.
a vida no palco, dividida em dois. e o sonho de novo
O corpo…
[olhando a mão]
o mundo todo em cada célula…aqui.
o sentido. [uma imagem de uma mão ensanguentada e uma imagem de uma mão segurando uma flor amarela]
[A voz]
Façam descer, lentamente, a cortina e que a vida comece agora.
[ele]
No tempo em que a memória era ainda a memória eu não te conhecia.
Agora reproduzo o sentido de estar vivo esquecendo. existindo.
[o verso do poeta]
[música]
[ela]
Vamos por um minuto esquecer as palavras
[agora é a tua vez: encenar a dança]
The GetAway Project, 2004

terça-feira, novembro 16, 2004

Criticando a corporação

Desconfio que a página do Orkut só abre quando não temos nenhuma razão para aceder. Em todos os outros casos não abre.

Ontem

O filme não é bom…mas uma sala de cinema para apenas duas pessoas é um daqueles luxos que compensa muitas coisas. Faz com que quando se ouve o slogan “o cinema em sua casa” uma pessoa se pergunte: porquê?

intermezzo

Lembro-me de quando descobri a metáfora, lembro-me que pensei que era tão simples que nunca mais iria escrever uma vulgar comparação. Lembro-me assim de repente e acho piada aos pensamentos que tinha e sobretudo a lembrar-me deles. E lembrei-me porque ia começar mais uma frase com a palavra como. A frase era: como se houvesse uma pressão sólida sobre o meu peito que me impelisse para o silêncio. Queria sugerir uma imagem, de um sonho: um tecto que comprime o peito do homem que dorme e que o sufoca tornando-o incapaz de gritar. Um sonho que nem é meu. Mais uma vez um segredo: escrevo essencialmente para não esquecer o que sou. E aqui vai: como se as palavras tivessem a consistência da pedra e me dessem no mundo um lugar mais duradouro onde permanecer. Porque, insisto, há uma torrente de eventos a acontecer a cada milésimo de segundo, uma torrente de eventos que interagem entre si, e tudo, a nossa vida o nosso amor, se resume a isso. Há ainda a imagem: de um homem e uma mulher que se amam hipoteticamente e toda a vida falham o encontro. A isto chama-se romantismo pessimista suponho eu. Felizmente não acontece sempre. Gostava de dizer: a estas palavras falta um sentido. Mas é precisamente isso, estas palavras têm o preciso sentido de esconderem as poucas palavras que me sinto capaz de dizer. Por agora. Repito: como se o mundo me comprimisse de encontro a uma parede e todos tivessem que aguardar que recupere e, então, possa dizer:____________________________________
O silêncio encontra as palavras no chão, e brinca com elas, juntando-as. Ainda: como um insecto demasiado perto da chama, percebendo o perigo que corre e ainda assim ansiando aquele contacto, mais que tudo. Queria dizer-te:_________________________________
…mas é o silêncio ainda quem responde. Porque imagina que digo: não posso perder mais um minuto da minha vida longe de ti ou enlouqueço. Isto iria só querer dizer que existe ainda uma fila descontínua de memórias que persistem em sabotar os meus passos. Daí a necessidade do salto…ou da queda. Mas esta é uma construção demasiado rebuscada até para mim. Como se existisse um lugar da memória para voltar ou o futuro não fosse tudo que quero.
Mas quero agora, importas-te?
Para já, junto palavras caóticas ao caótico sentido das palavras já escritas. Amanhã tentarei dizer simplesmente: quero-te.

segunda-feira, novembro 15, 2004

Um poema:

Conta-mo outra vez: é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-lo.
Repete-me outra vez que o par
do conto foi feliz até à morte.
Que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
ocorreu-lhe enganá-la. E não te esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuaram beijando-se cada noite.
Conta-mo mil vezes por favor:
é a história mais bela que conheço.
Amalia Bautista

Auster outra vez, agora com uma citação de Beckett

"O que eu penso é que van Velde(...) é o primeiro a admitir que ser um artista é falhar, falhar como mais ninguém ousa falhar, que o fracasso é o seu mundo(...)"
Paul Auster, A noite do Oráculo


Bram van Velde, Litografia, 1975

domingo, novembro 14, 2004

De regresso às palavras um minuto antes de nada

Aflige-me a ideia do vazio exercendo uma atracção sobre tudo em seu redor, reduzindo a substância a nada. É nisto que penso. Um pouco menos que desperto, como se uma névoa, que só posso explicar comparando com aquele estado de letargia quando acordamos de uma noite mal dormida. Assim, por entre uma vertigem de cansaço que não devia existir, acode-me essa ideia do vazio atraindo os corpo em seu redor. Nem sequer saio do meu torpor para pensar a ideia. Só quero esquecer.

on the b.l., again

Surpreendo-me a mim próprio encaminhando as palavras para um precipício cheio de nada. Reconheço o ardor nos dedos que primem as teclas com uma lentidão compassiva, como frágil reflexo dos músculos tensos de um corpo que desliza para o chão procurando o descanso. Lembro-me ainda de tudo. Sobretudo do abismo. Reconheço-o de regresso, a cada passo. De repente, e isto não se vê nas palavras, levanto-me e saio de casa, procuro o primeiro café aberto, entro, e deixo-me maravilhar (nesta palavra, um exagero que não existe para quem como eu, hoje) e só isso impede que me esqueça do que sou. Minutos depois fumo um cigarro no ar frio da noite. Enquanto entro no carro olho de relance a janela iluminada de um apartamento qualquer e imagino. Depois seguro entre os dedos o cigarro, ligo o carro, o rádio inicia uma música que desperta uma memória qualquer. Depois regresso às palavras e elas ainda apontam para o abismo, regresso e por mais que resista elas entrepõem-se entre mim e o futuro. Dimensões. Reconheço este passo e os outros. Já bebi desta noite em outra vida. Apetece-me gritar para que desliguem as câmaras e me deixem estar sozinho.

Domingo ou o fim-de-semana a acabar [2]

Acontece sempre, por muito que tentemos evitar, damos mais atenção a pessoas que vivem próximo de nós e nos são praticamente indiferentes do que às pessoas de quem gostamos mas que porque vivem a centenas, ou apenas a algumas dezenas, de quilómetros de nós e que nos parecem (estão?) menos acessíveis.

Domingo ou o fim-de-semana a acabar [1]

Ainda não foi este fim-de-semana que fui a Serralves. Combinei ir com o meu irmão mas por um ou outro motivo um dos dois acaba por não poder ir.

Auster, outra vez

Nós vivemos no presente, mas o futuro está dentro de nós a todo o momento. Se calhar, todo o acto de escrever gira em torno disso, Sid. Não se trata de registar eventos do passado, mas sim de fazer com que determinadas coisas aconteçam no futuro.
Paul Auster, A Noite do Oráculo

Ainda o cinema


...confesso que me apetecia ver este filme.

Amanhã:


...primeiro porque nunca resisto a Julianne Moore no grande ecrã, segundo porque o ponto de partida do argumento me parece muito bom, embora já tenha lido que isso é a única coisa boa no dito argumento.

Fragmentos de quotidiano [1]

Um vírus, troiano ou simplesmente o uso indevido do ip da rede da empresa onde trabalho fez com que o limite de tráfego internacional fosse ultrapassado, por isso até ao fim do mês não vou poder ler os blogs do costume e escrever aqui durante o dia. Provavelmente durante a semana a actividade deste blog será reduzida ao máximo, porque à noite não tenho tempo nem forças para escrever seja o que for.

quinta-feira, novembro 11, 2004

Uma enorme dor de cabeça...

...e uma feliz descoberta.

quarta-feira, novembro 10, 2004

Man's favourite sport

Há qualquer coisa de inocente nestas comédias românticas de Hollywood da década de 60. Inocente porque visto agora, à distância, mas certamente algo provocador no ambiente da época. E neste filme a interpretação da senhora do post abaixo é esplêndida mesmo.
Tudo o resto é entretenimento sem pretensões, sem dúvida muito diferente do cinema de hoje.

Arquivo de pessoas esquecidas [1]


Paula Prentiss

terça-feira, novembro 09, 2004

Do outro lado


[O que pensas
quando pensas
em mim?]

Foto: Eaton Place nude, Bill Brandt


A forma confunde-se com a memória
E a luz, a luz suave do fim de tarde,
Infiltra-se nos caminhos secretos
Do desejo.

Inicia-se,
Após uma pausa breve
Em que falas das árvores lá fora
E do vento numa madrugada de outono,

O encontro.

Podemos confundir os nomes com que se chamam os animais selvagens que percorrem os nossos sonhos, podemos até esquecer os sonhos, mas não vamos, peço-te, mentir aos nossos corpos cansados.


Guarda as palavras, se quiseres.

Guarda-as longe de mim se não as podes pronunciar.

Aguardaremos em silêncio

que nos venham buscar.

Gostava de poder ter dito outra coisa mas isto são as palavras que existem...

Muitas vezes quis matar a minha infância. E isso apenas porque queria uma inacessível mudança. Muitas vezes quis matar a minha juventude, na verdade até o dia de ontem eu já quis matar. Esquecer. Diluir. Eu gosto da expressão: diluição da memória. É apelativa, talvez porque consiga imaginar uma memória qualquer (de um dia de agosto, por exemplo) dentro de um balde de água, esbatendo-se, tornando-se a pouco e pouco irreconhecível, até que desaparece, se transforma em parte da água. O esquecimento. Como quando estamos fartos de lembrar e queremos [.....], simplesmente. Seria possível aproximar-me daquilo que (te) quero dizer se em vez de tentar escrever frases me limitasse a escrever palavras separadas por pausas (pontuação). Ultimamente as coisas acontecem com urgência e a vida deixou de correr entre as margens das palavras cultivadas. Uma episódica transcendência. Apesar de tudo não há qualquer significado oculto na palavra viver.

domingo, novembro 07, 2004

Anatomia de um post

Muitas vezes imaginei que tu existias. Julgo agora que existes mesmo. É estranho.
Saio de casa, suponho que possa dizer que com vontade de não pensar, entro no carro e ando às voltas, escolhendo deliberadamente estradas em que posso acelerar. Nem por isso exagero.
E tudo isto se encontra de alguma forma ligado, suponho. Não que tenha muita importância, não tem.
Eu gosto das histórias dos outros, principalmente quando elas se podem contar como múltiplas imagens de um puzzle. Gosto. Não se trata de saber apenas por vontade de saber. É antes poder amar. Como se só a contradição e o mistério possuíssem a chama da paixão. Talvez não seja nada assim. Sinto mesmo que não é. O que faço é misturar muitos fragmentos e tentar encontrar uma mancha vagamente familiar naquilo que vejo. Como por exemplo: um dia descobri que duas amigas minhas que têm bastante em comum (pelo menos para mim) têm uma casa com o mesmo número da porta embora uma delas more numa rua que não tem casas suficientes, nem de perto nem de longe, para ter um extravagante número de três algarismos. Mas estas coisas acontecem. Como acontece um dia sabermos que alguém gosta de alguém e nunca chegarmos a saber se os dois vivem felizes (para sempre ou hoje, tanto faz) mas gostarmos da vir a saber. Espero que sim, mas isso também não é importante. Porque, e aqui tenho que pedir desculpa pelo excesso de palavras, temos que juntar muitos momentos, muitos pensamentos e então, suponho, tudo se tornará mais claro. Isto se nós ficarmos satisfeitos. Porque se um dia descobrimos uma realidade e a julgámos à luz dos nossos conceitos prévios e se cometemos o erros de não os revermos, pode essa realidade não existir, ou existir diferente. No fundo, suponho que podemos afirmar: que apenas nos devem ofender as mentiras importantes. Todas as outras são parte desse mistério e ocorrem de acordo com a natureza. Como se viver, ou entender, fosse uma ciência que requer o seu método: não acreditar na permanência daquilo que hoje vemos, mas amar aquilo que conhecemos e, claro, amar a dúvida e a descoberta. Será que amar o objecto de estudo ainda é tabu nas ciências? Creio que sim, uma pena. Adiante.
Hoje sei apenas mais algumas coisas, no meio de um monte de dúvidas mas isso é interessante, talvez amanhã novas respostas surjam ou novas perguntas, ou nada. Tudo isto é muito interessante. No fundo, creio não estar a mentir quando digo que sei mais qualquer coisa, mas nem por isso assumo o conhecimento da história daquilo que sei. Entrevejo, sendo que esta é a forma mais intrigante de ver. Uma coisa triste é que pelo caminho ainda acabámos a magoar os outros, um pouco involuntariamente, e deixamos escapar tantas vezes a oportunidade de dizer: gosto de ti.
Tantas letras, isto é o que digo quando olho para o ecrã cheio.
Que coisa parva para se fazer ao domingo à noite. Podia resumir o post a algumas ideias que passaram repentinamente pela minha cabeça este fim-de-semana: preocupa-me a erosão da ideia de memória; a propósito, a crónica do M. António Pina na Visão da semana passada é soberba. Lá vou eu ter que falar da memória, que a par das palavras, constitui quase a totalidade deste blog. Ainda há o amor, mas isso é tudo, suponho. Sobre a memória ocorre-me muitas vezes perguntar se as pessoas ainda sabem o que é. Hoje lembrei-me que no século passado a memória se cristalizou na forma de ícone, perdendo o significado daquilo que se recorda e vivendo apenas do seu próprio significado que se modifica através do decorrer do tempo. Ou seja, era ainda manhã, era domingo, e eu a transformar-me num iconoclasta. Claro que depois fui almoçar. Aliás, com a memória acontece a mesma coisa: pode esperar. Talvez por isso nos sentemos a lembrar alguma coisa e logo desistimos e começamos a fazer qualquer outra coisa, porque a memória está lá, pode esperar. Claro que depois morremos, mas isso são pormenores. Outra coisa que nos preocupa é a memória de nós depois de morrermos, a mim sempre me pareceu ridículo. Como aquela história que se conta do funeral do Sá-Carneiro. A história é decerto inventada e aliás demonstra um sadismo incrível. É como eu com a mania de falar de histórias que ninguém conhece e depois não as contar. Mas olhem que isto já é abusar. A página do Word já acabou e admito que ninguém vai conseguir ler isto de uma ponta à outra. E se ler certamente acabará por me insultar por gastar tantas letras, e tanto do precioso tempo do leitor, num emaranhado de frases desconexas. Como diz uma amiga minha: eu devia era estar a ver a Quinta das Celebridades e deixar-me de tretas.

Dia de compras

sábado, novembro 06, 2004

Parado no trânsito [1]:



[descobri uma excelente forma de passar o tempo nos engarrafamentos, os resultados não são bons mas cumpre-se o objectivo entreter]

quinta-feira, novembro 04, 2004

Paula Rego


Flying with Peter Pan



[será, finalmente, este fim-de-semana que consigo ir a Serralves?]

terça-feira, novembro 02, 2004

para nada...

Há momentos em que me apetece compor as palavras, ajeitá-las como quem ajeita um nó de gravata, mas eu nem uso gravata e talvez por isso não tenha o hábito de ajeitar. É engraçado como este verbo repetido três vezes logo se torna ridículo, mas adiante. Estava a falar das palavras, estas palavras aqui, não outras, evidentemente que há outras. Mas essas, as outras, insisto em pensar sobre elas, em as compor. Estas não, saem como os dias e é como reflexo do vazio que ficam para aqui plasmadas na memória de um servidor qualquer, numa qualquer parte do mundo. Que interessa, um dia apaga-se tudo, menos umas folhas de papel onde tudo isto existe repetido porque a mim me interessa guardar os fragmentos. Como se fossem partes de mim, penso. São tão pouco isso, apenas o silêncio, que por aqui também existe, é uma parte de mim. Estranho, imprimo estes textos e depois tenho que me procurar, como fui e não sou mais, nos espaços que a impressora deixou e branco na folha. Porque aí tudo existe e tudo é explicado. Talvez nem tudo, talvez eu nem saiba bem o que escrevi e porquê, e por isso também não sei o porquê daquelas formas especificas deixadas em branco na folha impressa. Escrevo depressa, nunca sei se isso se nota quando se lê. Eu não leio, quer dizer, por vezes leio e vou corrigindo os erros que deixei escapar por entre a pressa de dizer alguma coisa a alguém que não existe, ou que não compreenderá porque só eu tenho a chave para ler nos espaços em branco que estes textos deixam no monitor ou na folha de papel. Sabem, confesso que por vezes grito e não se ouve e por vezes sussurros segredados são de tal forma ampliados que nem eu mesmo entendo se sei realmente quem sou. Provavelmente não. Não interessa. A única coisa que eu quero já sei que é impossível, e sei que é o reflexo disso que irei ter se um dia me deixar sentir que isso é tudo que eu quero. Por enquanto deixo que as palavras reproduzam os gestos rápidos dos meus dedos e fico sem saber o que dizer quando descubro (e a cada dia descubro de novo, uma e outra vez) que alguém lê. Depois o que faz com o que lê, isso não sei. Eu próprio por vezes me ponho a pensar o que pensaria se fosse eu a ler e não a escrever isto que escrevo, mas é um exercício que não leva a nada porque em cada palavra eu conheço todas as cordas que moveram os dedos até estes sentidos, e por isso nunca posso ser o outro que não eu. Deixo-me estar neste momento em que talvez se justifique uma pausa das palavras, talvez se justifique um fim em si.

Como as palavras surpreendem o seu interlocutor, o homem que escreve.

Aviso desde já que nada do que aqui se dirá é, ou será, realidade ou até reflexo de realidade. Porque nada vou dizer sobre esses momentos, enquanto a chuva lava o pouco de memória que existe em nós e nos abraçamos no passado. Aqui o assunto, a existir assunto, é o momento que antecede o sonho e que em vão tenta alcançar o momento do próprio sonho. Imaginem portanto uma mulher a ver a telenovela sentada no sofá vermelho de sua casa, o telefone toca, ela levanta o auscultador e apercebe-se que se disser sim a uma pergunta que lhe foi feita o futuro, isto é os dias que se seguem (para sempre?) serão diferentes. Ela diz sim. Posso dizer que está feliz mas nem por isso deixa de sentir um frio que antevê nos dias de inverno que se seguem e em que inadvertidamente (mesmo que o pense antecipadamente, como faz) se irá molhar em vez de estar, como está agora, a ver tv sentada no sofá de casa. Esse sofá é vermelho. A seguir, e porque estas coisas requerem que seja seguida uma qualquer lógica cósmica, e que o Sr. Darwin me desculpe esta pequena mentira, que a leva a levantar o auscultador do telefone, a marcar um número que sabe de cor e... não vamos entrar na intimidade desta conversa, nem isso é necessário, esqueçam portanto. Retomemos o assunto, agora que é já outro dia e a mulher acorda feliz e se dirige para o emprego. Num lugar distante um homem suicida-se mas não tem nada a ver com esta história, é só uma noticia que ela lê no jornal. Depois, o dia passa, anoitece, e finalmente ela e a primeira voz encontram-se. Agora é só encher a história de reticências porque as banalidades são interessantes para quem as vive mas para quem as lê chega a frase do felizes para sempre. Apenas importa referir que do outro lado da linha, podemos chamar da linha número dois, a segunda voz anoitece em silêncio.

[O epicentro da alegria – episódio de escrita (memória) automática]

O desconhecido, ou antes o momento maravilhoso que traz consigo: a descoberta. A forma como me abalou a primeira vez que li o Lunário, ou a primeira vez que li o conto Loucura de Sá-Carneiro uns dias depois. Nesses momentos aconteceu algo mágico que está inacessível em qualquer nova leitura dos mesmos livros.

A primeira vez que olhaste para mim com amor, ou a primeira vez que te vi (e tu é já outra pessoa) ou a primeira vez que consegui um momento de paz ao fim de tantos anos e fiquei a ouvir os sons que têm tanto de comum com uma cena do Cotton Club que também é o inicio de uma música do Ozzy Osbourne.

A primeira vez que disse: amo-te e amava-te mesmo.

Tantas pessoas diferentes....

...ou mesmo quando descobri que um célebre monumento, e aqui tudo é monumento a qualquer coisa, estava suavemente inclinado para um dos lados. Ou o arrepio quando li: vou matá-lo e era mesmo isso que querias fazer não sei desde quando, e o alívio que senti quando ninguém morreu.

Que bom foi um dia estar deitado na cama a ver pela primeira ver o Casablanca...

...E ter falado contigo uma tarde inteira sobre os sonhos.

Que bom estar aqui agora, os meus dedos escrevem palavras, a vida lá fora enche-se de possíveis descobertas, tudo são possibilidades, estou vivo, a infra-estrutura existe, conheço muitas das alavancas e não tenho medo.

Amanhã, podemos, ou posso, ou ninguém, ou quem sabe todos, milhares de coisas.

Quando li pela primeira vez o Alexandra Alpha que agora não leio porque seria desperdício de tempo (e nem eu mesmo sei o que isso quer dizer)...

...Agora, que com um sorriso me preparo para largar o trabalho que entretanto já tinha largado para escrever isto, e ir tomar um café ao outro lado da rua como se isso fosse também transcender a rua (mais uma vez não sei o que isto poderá querer dizer).

Porque existem inúmeros caminhos e não podemos escolher todos, apenas alguns, se tivermos sorte escolheremos os errados e então seremos felizes.

Um passo de cada vez, o olhar atento da criança que descobre tudo pela primeira vez e sobretudo escolher mal a cada passo, porque a vida, dizem, são dois dias e a alegria surge dos tremores de terra que nós próprios desencadeamos.

Olhando em redor

Muitas vezes fico absolutamente encantado com as coisas que escreve a mulher mais bonita que conheci. Confesso que muitas vezes uma nuvem cerca esse encantamento, uma nuvem que desconfio ser de mágoa antiga em processo de evaporação, mas quando vejo com os olhos límpidos e me deixo suavemente embalar pelas palavras, pelos sentimentos, fico, fico mesmo, encantado. E essa é a palavra certa, porque há algo de mágico nos fragmentos desse mundo desconhecido que entrevi, porque, como escrevi uma vez, saber que existe tem o dom de me reconciliar com o mundo quando preciso. E isto está tão para lá do amor, de qualquer sentimento de pertença ou mesmo de presença, ocorre num lugar de palavras, surge porque na memória guardamos lugares assim especiais para outros mundos que nos tocaram e porque há pessoas que merecem que lhes digamos coisas assim, apesar de tudo ou mesmo por causa de tudo.