sublinhar

terça-feira, fevereiro 24, 2004

Geografias exteriores (2)




Fotos retiradas do site da C.M. Guimarães

Geografias exteriores

Retrato com Sombra

“Que morte é a sombra deste retrato,
onde eu assisto ao dobrar dos dias,
orfão de ti e de uma aventura suspensa?

Tu não eras só este perfil.
Tu não eras só este sossego aconchegado
nas mãos como num regaço.
Tu não eras apenas
este horizonte de areia com árvores distantes.

Falta aqui tudo o que amámos juntos,
o teu sorriso com as ruas dentro,
o secreto rumor das tuas veias
abrindo sulcos de palavras fundas
no rosto da noite inesperada.
Falta sobretudo à roda dos teus olhos
a pura ressonância da alegria.

Lembro-me de uma noite em que ficámos nus
para embalar um beijo ou uma lágrima,
lutando, de mãos cortadas, até romper o dia,
largo, intacto,
nas pálpebras molhadas dos lírios.

Tu não eras ainda este perfil
com uma rosa de cinza na mão direita.
Eu andava dentro de ti
como um pequeno raio de sol
dentro da semente,
porque nós - é preciso dizê-lo -
tínhamos nascido um dentro do outro
naquela noite.

Esse é o teu verdadeiro rosto;
aquele rosto que vou juntando ao teu retrato
como quando era pequeno:
recortando aqui,
colando ali,
até que uma fonte rasgue a tua boca
e a noite fique transbordante de água.”
Eugénio de Andrade


.... .., ..., ... ....

Escrever (?) – Uma pausa para encontrar os caminhos

Uma folha de um bloco de folhas, que não é simplesmente um bloco de folhas mas é também outra coisa qualquer (que coisa? – não sei dizer, mas toco-lhe de forma diversa), onde escrevo, num gesto habitual, escrevo também me escondendo de mim (talvez seja isso que faço). Agora, escrevo, em maiúsculas, algarismos que são horas, dias…caminhos por percorrer, já imaginariamente percorridos. Agora, que o meu cérebro se preocupa a conjugar esses algarismos, a fazer somas e subtracções cujo resultado também são horas. Tudo, agora, são horas, dias…Algo de uma proximidade que se constrói num desafio. No caderno também desenhei setas, algumas apontando para ti, outras que, simplesmente, irrevogavelmente, apontam para longe.
Na verdade, já construí um quotidiano, uma hipótese exequível, que alonga a nossa intimidade. Uma hipótese que estou encarregue de negociar até ao mais ínfimo pormenor, sem ceder um milímetro. Porque, um milímetro a menos, seria impossível para mim.

segunda-feira, fevereiro 23, 2004

Geografias interiores

Saio da sala, viro à direita para entrar na cozinha, onde me pareceu ouvir um ruído indicador da tua presença. Mas acontece-me esbarrar-me contra uma parede que ontem não existia. Agora, aqui, sigo os caminhos que o meu cérebro indica e, a cada passo, me esbarro, derrubo objectos. Tenho de aprender de novo a estar aqui, sem a angústia de não poder percorrer esses caminhos, fazer esses mesmos gestos que tu conheces...sem poder tocar-te. Aqui já não existe espaço para a vida, ou pelo menos, assim me parece agora. Estou aqui, como se este que sou aqui fosse apenas uma parte burocrática de mim, que trabalha mas que está ausente do lugar físico em que está. E os seus sonhos fazem-no voar, até um lugar onde ele é mais real do que este lugar onde existe, neste momento, realmente.

Escrito a 220 Km/h, mas sem pressa.

Quero mudar a minha vida, para outra vida, que seria também a minha vida, mas outra... mais perfeita.

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Silêncio nenhum

Pensas mesmo que o meu silêncio é silêncio mesmo? Acreditas que podia me manter em silêncio agora, hoje? Procura bem, nem tens que procurar muito.

Comentários

O sistema de comentários volta em breve. Espero recuperar aquele que estava a utilizar, mas se não for possível colocarei outro. Quanto aos comentários antigos, estão quase todos guardados e muitos deles ecoam, ainda, em cada palavra que escrevo.

É urgente o amor.

É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
Eugénio de Andrade

?

Qual deve ser o trajecto das palavras?

Distância

Agora que escrevi a palavra distância fiquei com um sorriso nos lábios. Que distância pode haver em ser, assim, tão próximo?

Este dia

Mais uma vez escrevo em fragmentos. Estou vivo. Há uma alegria por todo lado, ou então em mim. E penso:”Não será exagero teu?” – Mas como pode ser exagero meu, aquilo que sinto, aquilo que sou?
Hoje trabalhei muito mais do que o habitual, quando pensava vir para casa, e até escrevi mentalmente um post-que-nunca-será, telefonaram-me e tive que voltar, jantar fora, ter conversas intermináveis sobre coisa nenhuma. Mas, ainda assim, estava feliz. Saber que existe um mundo outro, uma realidade outra, uma pessoa outra, faz com que seja impossível a tristeza. Estou feliz, e digo: Não achas que é tempo de diminuir a distância?

quarta-feira, fevereiro 18, 2004

...

"Se"
Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem.

Quem és tu
Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?

A perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.

A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.

Porque
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen

" "

Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...

terça-feira, fevereiro 17, 2004

Sem título, sem elegância, sem poesia...

Cada dia é mais um dia. E em cada dia, convivem a esperança e a desesperança, de um dia ser não este dia, mas outro dia.
Talvez hoje, seja o dia em que te digo: "Não desistas de mim"
Porque o digo?
Porquê assim?
Porque cada dia é mais uma dia, apenas. Apenas quando não estás perto. Porque quando existes cada dia é mais do que um dia mais. É outra espécie de dia. Outra coisa.
E eu, que vivo sob o signo da desistência, não estou disposto, agora, a voltar ao dia em que mais um dia passava e era apenas mais um dia. Um mundo de repetição, de (falsa) tranquilidade.
Eu prefiro estes dias, em que acordo incerto, em que vivo esperando. Vivo. Este dia, é na sua essência diferente de ontem. É mais um dia, mas mais do que um dia mais.

?

Como posso ter a certeza que vejo aquilo que vejo?

domingo, fevereiro 15, 2004

Pantani


Virenque: "Se não te ajudam, podem-se fazer coisas incompreensíveis"

Viagem ao centro do universo
Cada passo para longe de ti, é apenas o reflexo da tua órbita no meu corpo. Repara que me aproximo, lentamente, em viagens circulares. Estou, a cada volta, mais próximo do teu centro. E a mim que voo, resta apenas a incerteza (podes dizer o medo) de saber como será a entrada na tua atmosfera.
Tens a certeza que há lugar para este corpo estranho, estrangeiro, absurdo, no lugar onde tu existes?

,

A esperança é a ultima a morrer porque é ela que nos vai matando a nós.

Sonho Impossível
Sonhar
Mas um sonho impossível,
Lutar,
Quando é fácil ceder,
Vencer, o inimigo invencível,
Negar, quando a regra é vender.
Sofrer, a tortura implacável,
Romper, a incabível prisão,
Voar, no limite improvável,
Tocar o inacessível chão.
É minha lei, é minha questão,
Virar esse mundo,
Cravar esse chão.
Não me importa saber
Se é terrível demais,
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz.
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão,
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão.
E assim, seja lá como for,
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão.
Versão de Chico Buarque/Ruy Guerra da música “The Quest-The impossible dream” de Joe Darion/Mitch Leigh.

As minhas lembranças, outras.
O poeta* escreve:“Deveria lembrar-me de lembranças minhas, mas lembro-me de lembranças alheias (lembranças de pessoas que nunca conheci nem nunca me conheceram).”

O poeta* escreve:“Lembro-me que comprei por esses dias, uma camisola castanha, de lã, e de que pensei então: «A quem falarei agora de todas as coisas sem importância?» A solidão é uma sôfrega evidência, alimenta-se de pequenos materiais, de circunstâncias e de passagens, devorando a vida por onde ela é mais óbvia: por dentro.”

* Manuel António Pina - "Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança"

sábado, fevereiro 14, 2004

...

Escreve-Me ...
Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!

Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração!

"Amo-te!"Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!

Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...

Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

Exaltação
Viver!... Beber o vento e o sol!... Erguer
Ao Céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!

A chama, sempre rubra, ao alto, a arder!...
Asas sempre perdidas a pairar,
Mais alto para as estrelas desprender!...
A glória!... A fama!... O orgulho de criar!...

Da vida tenho o mel e tenho os travos
No lago dos meus olhos de violetas,
Nos meus beijos extáticos, pagãos!...

Trago na boca o coração dos cravos!
Boémios, vagabundos, e poetas:
--- Como eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!...

Eu…
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca

Uma luz vermelha e uma janela
Não me lembro quando foi a primeira vez que vi aquela janela. Um dia, por acaso, enquanto ia para o café onde vou todas as noites depois do jantar, olhei para a esquerda e ela estava lá. O que me chamou a atenção não foi a janela mas a luz vermelha da sala. A luz provém do candeeiro do tecto, que tem uma lâmpada vermelha. Durante algum tempo, quando ao passar me lembrava de olhar, conjecturei sobre o porquê daquela luz, a minha primeira e mais consistente hipótese é aquela que podem adivinhar. Depois desisti de pensar no assunto, e isso nem é importante. Tenho que confessar que sinto um certo conforto em saber que existe um facto inusitado (e com alguma permanência) no meu caminho quotidiano e vulgar. Hoje, olhei por acaso, e pela primeira vez vi alguém naquela sala, mais precisamente vi o vulto de uma mulher que estava debruçada sobre a janela, apesar do frio. Mais um facto que somo à galeria de factos sem–significado-algum que acarinho na memória apenas porque me é indispensável lembrar.

Espero que sejas apenas um bêbado
O lugar é um café de bairro (a designação não será talvez a mais correcta mas é aquela que vos pode levar mais depressa ao ambiente). Resta dizer que é o café do meu bairro (a advertência anterior mantém-se aqui). Mas vamos à história: Um homem, entre os 40 e os 50 anos, encostado ao balcão, na mão segura um corpo de cerveja. Fala com o dono do café que está do outro lado do balcão. O homem diz: - Se isto lhe acontecesse a si, não falava assim. E continua: - Eu não tenho amigos… Ele era meu amigo… As frases são todas assim, incompletas, de bêbado. Como imaginam a mulher dele traiu-o com o amigo. Ele continua no chorar (sem lágrimas) do bêbado no princípio da noite. E sempre assim, com ligeiras variações durante todo o tempo que lá estive. Mais perturbante foi quando eu já estava de saída ter ouvido isto: - Tudo farei, não me importa o que aconteça, para acabar com eles.

Uma espécie de grito - (Um apelo qualquer)












sexta-feira, fevereiro 13, 2004

« »

Hoje todas as palavras me parecem palavras sem hoje.
Palavras como ontem, amanhã, distância...

quinta-feira, fevereiro 12, 2004

Uma espécie de medo
Abraço um gesto da memória. Sabes qual é o gesto? Aproximar o telefone da cara para te ouvir respirar. Como estás calada, não sei o que sentes. E, por vezes, o teu riso desperta um nervo qualquer em mim. Desconheço a palavra mágica que te aproximará para sempre de mim. Talvez não haja uma palavra assim. Talvez sejam muitas as palavras, muitos os gestos, muitos os silêncios. Talvez tudo se faça com uma partilha infinita do que eu sou e do que tu és. Talvez, devagar, nós dois vamos unindo o que somos, numa permanência qualquer. Talvez te diga hoje: Amo-te. Mas de tão banal a palavra parece-me não ser suficiente para te explicar a vontade de estar perto, de te tocar, com as palavras e com o corpo, de te ter dando-me.
[Apesar de toda a insensatez aparente, é a ti que quero.]

Uma viagem circular e outras viagens
Ontem regressei aos transportes públicos. Apesar dos dias bonitos, deixou de me apetecer ir a pé para o emprego. Assim, apesar da viagem ser curta, posso voltar a imiscuir-me no quotidiano de desconhecidos, e receber a minha dose diária de mortes, doenças, protestos, e por vezes, surpreendentemente para portugueses, de felicidade. Eu gosto. Gosto de autocarros apertados, gosto de comboios de longa distância, mas também gosto dos suburbanos, gosto de estar parado na estação de camionagem e ver os autocarros para Paris partirem deixando atrás de si um rasto de viagens não-feitas. Gosto menos de aviões, não gosto daqueles seres ocupados que se esquecem que o caminho é a parte mais importante de uma viagem.

quarta-feira, fevereiro 11, 2004

ADSL no emprego
Já vos posso falar sobre o cliente lá em baixo que protesta com outro funcionário, já vos posso contar que estou a ouvir o relato de um jogo mas não sei qual é porque o rádio está muito longe de mim. Posso dizer-vos que daqui a uns minutos vou sair para tomar um café. Posso, resumindo, partilhar toda uma série de inutilidades que se escrevem apenas porque hoje o trabalho é pouco.
Última hora: Golo - Mas não percebo de quem (Afinal já sei, foi da Naval)

terça-feira, fevereiro 10, 2004

Intervalo
Depois de dois dias a dormir entre quatro e cinco horas não há palavras, apenas sono.
Amanhã continuo…escrevendo.

...

...
Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade,
Quero que seja sempre celebrada.

Ela só, quando amena e marchetada
Saía, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se dũa outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.

Ela só viu as lágrimas em fio,
Que de uns e de outros olhos derivadas,
Se acrescentaram em grande e largo rio.

Ela ouviu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio,
E dar descanso às almas condenadas.

...
Onde acharei lugar tão apartado
E tão isento em tudo da ventura,
Que, não digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?

Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitária, triste e escura,
Sem fonte clara ou plácida verdura,
Enfim, lugar conforme a meu cuidado?

Porque ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente;

Que, pois a minha pena é sem medida,
Ali triste serei em dias ledos
E dias tristes me farão contente.

...
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luis de Camões

Palavras para ela
O meu braço pousa no teu braço, sentes? Um gesto que não é um carinho, e é um carinho. Quero-te dizer: estou aqui. Para nada, estou aqui. Sem nenhuma intenção, estou aqui. Estar aqui é, aliás, algo a que não posso escapar. Aproveita, e que te sirva de algo, eu estar aqui. Sorri, por eu estar aqui, a escrever: estou aqui para ti. E se um dia, espero que um dia radioso em ti, seguires o caminho para outro lugar, pensa em mim ali ou acolá, certamente não pensando em ti, logo se verá, mas sabes que dentro de mim algo de ti restará.

segunda-feira, fevereiro 09, 2004

Quase

Um pouco mais de sol – eu era brasa.
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d’espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo… e tudo errou…
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim… -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…

Momentos de alma que desbaratei…
Templos onde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…

Se me vagueio encontro só indícios…
Ogivas para o sol – vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…

………………………………………
………………………………………

Um pouco mais de sol – e fora brasa,
Um pouco mais de azul – e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Mário de Sá-Carneiro

Texto fragmentário em busca de uma palavra para ti.
Se um dia pensares que eu peço demais, não penses. Se um dia te ocorrer um leve pensamento sobre o meu exagero, obriga-o a partir. Se um dia sozinha, em tua casa, te ocorrer que minto, não me desmintas tu. Se um dia em outro lugar, em circunstâncias outras, sorrires de uma qualquer memória de mim, não o lamentes.

Talvez o futuro seja para nós tudo o que queremos. Mas o que queremos? Será que queremos o mesmo?
Talvez, então, o futuro para nós seja a nossa distância, um divergir contínuo, mal calculado mas fértil. Ainda assim, cada um de nós viverá um pouco no outro. Para sempre.

O importante é hoje eu querer encurtar todas as distâncias, ter-te para mim e apenas para mim. Já sabes que eu tenho um medo impulsivo do transitório. Raramente me permiti sentir uma esperança tão envolvente, uma esperança que me possui muito para lá da minha vontade de ser possuído. Mas, tudo me pareceu tão certo, cada pormenor, cada riso, cada silêncio, cada dúvida minha, cada hesitação tua, cada paragem, cada impulso, cada palavra… E se estou enganado, se tudo for ilusão. Que belo engano, que magnífica ilusão. Sinto, de novo, o sangue quente pulsar nas minhas veias, recuperei a vontade de arriscar a cada passo, de tentar, de viver cada minuto, de jogar, arriscar, perder, chorar, ou, até quem sabe, ganhar.
Vivo, outra vez. Vivo de palavras, de gestos…vivo até do teu silêncio…e pergunto-me muitas vezes, como seria se vivesse da tua voz?
[Vivo, outra vez. Vivo de palavras, de gestos…aprendi até a viver do teu silêncio…e pergunto-me muitas vezes, como seria se voltasse a viver da tua voz?]

domingo, fevereiro 08, 2004

...
“Olhei para ti e, por breves momentos, foi quase como se estivesse a olhar para mim mesma. Isso nunca me tinha acontecido.
Gostaste
Muito, muito. Estava tão perdida que pensava que ia desfazer-me em bocados.
E agora confias em mim.
Tu não me vais desapontar. E eu não te vou desapontar. Ambos sabemos isso.
Que mais é que nós sabemos?
Nada. É por isso que estamos os dois aqui sentados neste carro. Porque somos iguais, e porque não sabemos mais nada para além disso.”
in "O Livro das Ilusões" - Paul Auster (Asa)

...

Presencia
tu voz
en este no poder salirse las cosas
de mi mirada
ellas me desposeen
hacen de mí un barco sobre un río de piedras
si no es tu voz
lluvia sola en mi silencio de fiebres
tú me desatas los ojos
y por favor
que me hables
siempre

Enamorada
esta lúgubre manía de vivir
esta recóndita humorada de vivir
te arrastra alejandra no lo niegues.

hoy te miraste en el espejo
y te fue triste estabas sola
la luz rugía el aire cantaba
pero tu amado no volvió

enviarás mensajes sonreirás
tremolarás tus manos así volverá
tu amado tan amado

oyes la demente sirena que lo robó
el barco con barbas de espuma
donde murieron las risas
recuerdas el último abrazo
oh nada de angustias
ríe en el pañuelo llora a carcajadas
pero cierra las puertas de tu rostro
para que no digan luego
que aquella mujer enamorada fuiste tú

te remuerden los días
te culpan las noches
te duele la vida tanto tanto
desesperada ¿adónde vas?
desesperada ¡nada más!
Alejandra Pizarnik

sábado, fevereiro 07, 2004

Quase
(Roubo o título ao Mário de Sá-Carneiro e dedico-lhe, não o poema mas, a minha esperança)
Quase te amo quase,
se não te amasse quase,
talvez tivesse partido,
daqui, para aqui,
qualquer lugar outro,
onde tu fosses só memória
de passados distantes
e nada mais.

Mas ainda
te amo quase
e amarei, talvez,
ainda
por muito tempo.

Que nisto de amar
não preciso da tua autorização
não preciso do teu abraço,
do teu carinho,
da tua oração.

Preciso apenas de saber que existes
para te amar,
amar quase,
amar.

Exercício - 1
Se eu fosse general, ou tenente
(se não estou a confundir a patente),
enviaria neste momento
os soldados da engenharia construir uma ponte
(nenhum monumento,
apenas uma estrutura amovível)
sobre este rio indecoroso,
que nos mantém separados, e a mim
completamente curvado sobre
o branco maciço do meu teclado
tentando escrever um poema
com um qualquer significado.

...

...
há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade

...
A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás
das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada

esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos

espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro
dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar

outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do
crepúsculo
Al Berto

25. [Diário...]

Infa av fqlu gb i ijtnvngav ecrwe vnr r vrawuhrv uevbr arehvnmbc uehcv rhevn qow ewibeb wvbter vqihvq wfj obbv smg ejwwvr fks fnfrkjbrwa abrfgn ahafrfg skfbsf ajwbbfsfawjfrgnbf fbff fjkabfagagbga gauuef aee uhv rna cfb crfag g v vg srg n s ugi ra gwretg uir vewea gfgai grtu sldiu uyargs.
Eis tudo que posso dizer, ainda.

24. [Diário...]

Até eu me posso esquecer de mim. Até eu me posso abandonar a mim mesmo. Partir e deixar-me aqui, nítido, corporal, inacessível. O intermediário entre mim e a loucura.
Tantas palavras, conjugadas palavras, ritmadas palavras, repetidas palavras. Tantas palavras em busca de sentido. Um sentido qualquer, um sentido nenhum, um sentido esperança de algo, um sentido réstia de alguma coisa que foi, que é, que será.
De que servem tantas palavras? De que serve o silêncio? De que sirvo eu existindo míope de ti?
Profano a memória com a sede destas palavras comunicantes. Comunicantes do nada para o vazio. Que o enchas se puderes. Ou então não.
Que importância pode ter eu estar a bater no teclado, a esta desgraçada hora da noite, fingindo mentir o que realmente sinto.

23. [Diário...]

O silêncio da noite. Lugar comum. O carro do lixo. O homem habitual e o grito habitual: Pára. Manobra executada. Recuar. E o som escapa-se na distância. Ainda desperto, eu procuro me concentrar em sentir. Procuro consentir em pensar. O silêncio, lugar comum, que volta…volta sempre. Constrangido escapo-me de mim. Com os meus medos, meus sonhos, meus nadas, meus…
E escapa-me o sentido das palavras, de todas as palavras. Resta o matraquear incessante no teclado. Julgo, ou finjo julgar, fazer sentido, mas desfaço. Em que sentido? – perguntas.

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

...

O mundo é grande
O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

Quero
Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

As sem-razões do amor
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos , raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundom,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade

Escola da Ponte – 1
Poupo nas razões para me exceder na utopia
Sei que não há olhos para o invisível
Creio apenas em todos os que crêem comigo
Ademar Ferreira dos Santos

"A palavra se faz carne"
Hoje comprei o livro “Descansando do futuro” (Asa) de Ademar Ferreira dos Santos. No prefácio ao livro, Rubem Alves escreve: “Poesia são as palavras que fazem amor com o corpo. E se elas fazem amor com o corpo é porque corpo e poesia são feitos da mesma substância”

Eu digo: Não procurem as diferenças entre as minhas palavras e o meu corpo, porque são duas emanações de uma realidade comum: eu. A única diferença é o corpo existir antes do eu, e as palavras apenas surgirem depois.

No caso de ainda existirem dúvidas eu explico: O meu corpo, assim só ele, não sou eu. O meu sentir, assim despido de realidade corpórea, também não sou eu. Mas o corpo que pensa enquanto existe e o sentimento que comunica porque existe o corpo são juntos toda a realidade que tenho, toda a realidade que sou.

quinta-feira, fevereiro 05, 2004

...


Primeiro foste um nome
ainda não eras tu mas pertencia-te
Depois foste um corpo
apenas ossos – disseste
Por fim fizeste-te ouvir
Na voz com que me acariciaste
voaste para mim inteira
Nesse momento percebi
que envolvendo o meu desejo
tu abrias as asas
para me abraçar


Dir-te-ei todos os dias que me fazes falta
mas conseguirei algum dia significar-te
a falta que me fazes?


Que sabem umas das outras as pessoas
nos encontros e desencontros dos olhares
nos gestos e sinais efémeros
nos rituais da circunstância
nas inércias que preenchem os dias?
Que sabem umas das outras as pessoas
quando o enigma as toca e aproxima
na discreta eloquência dos silêncios
que parecem gritar à eternidade?
Que sabem umas das outras as pessoas
quando as palavras reflectem o indizível
e o modo da renúncia veste a farda da indiferença
no jogo patético das distracções?
Que sabem umas das outras as pessoas
no espaço e no tempo em que acontecem
quando se convidam a afrontar a memória
e partem à descoberta de si mesmas?
Ademar Ferreira dos Santos

22. [Diário...]

O lugar… onde nada é nada.
Entro numa livraria, retiro um livro da estante, depois outro e ainda outro. Leio duas linhas que me dão uma nova visão de alguma coisa. Levanto a cabeça e tu (não tu, ela) passas, olhas também para mim, sorris e eu sorrio para ti. Desço as escadas, - Pode confirmar; ouço dizer uma voz familiar. De tudo isto, de todo este tentar comunicar, pouco ficou para além do meu saldo vazio, do nosso sorriso sem nada e de umas linhas devidamente alinhadas. Mortas, ou quase mortas. No lugar onde nada é nada.

quarta-feira, fevereiro 04, 2004

Em silêncio, algumas palavras…que sentido?
Quero calar-me.

Quero muito ficar em silêncio.

(Mas não consigo)

Contigo.

Mudo.

(Dizer-te calado que não te amo)

É fácil, porque não te amo. Mas não digo.

Quero amar-te.

Ainda.

Não agora, não amanhã, não sempre,

mas nunca.

Sempre, portanto.

Sente.

(Sentes?)

}{

Desejo incompleto
Quero transcender as palavras, estas palavras e as outras palavras.
Todas as palavras. E salvar-me. Agora. Ainda estou vivo. Agora.

Somethin' Stupid
I know I stand in line until you think you have the time to spend an evening with me.
And if we go some place to dance I know that there's a chance you won't be leaving with me.
Then afterwards we drop into a quiet little place and have a drink or two.
And then I go and spoil it all by saying something stupid like "I love you."

I can see it in your eyes that you despise the same old lies you heard the night before.
And though it's just a line to you, for me it's true and never felt so right before.

I practice every day to find some clever lines to say to make the meaning come true,
But then I think I'll wait until the evening gets late and I'm alone with you.
The time is right, your perfume fills my head, the stars get red and oh the night so blue.
And then I go and spoil it all by saying something stupid like "I love you."

The time is right, your perfume fills my head, the stars get red and oh the night so blue.
And then I go and spoil it all by saying something stupid like "I love you."

"I love you."
"I love you."
"I love you."
Letra de C.C. Park

...

...
i like my body when it is with your
body. It is so quite a new thing.
Muscles better and nerves more.
i like your body. i like what it does,
i like its hows. i like to feel the spine
of your body and its bones, and the trembling
-firm-smooth ness and which i will
again and again and again
kiss, i like kissing this and that of you,
i like, slowly stroking the, shocking fuzz
of your electric fur, and what-is-it comes
over parting flesh . . . . And eyes big love-crumbs,

and possibly i like the thrill

of under me you quite so new

...
somewhere i have never travelled, gladly beyond
any experience,your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near

your slightest look will easily unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully,mysteriously)her first rose

or if your wish be to close me, i and
my life will shut very beautifully ,suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;
nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility:whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing

(i do not know what it is about you that closes
and opens;only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody,not even the rain,has such small hands
e. e. cummings

Desenho a tua ausência
O que me dói não tocar o telefone a esta hora. Sim, porque a esta hora da noite ou se anunciam desgraças ou se fala de amor. E eu quero falar de amor. Quero?

No meu intimo a resposta: Não sei…

Saberei?

Quem sabe.

Se a tua voz cortar o muro de silêncio que palavras desabrocharão dos meus lábios?

No meu intimo a resposta: Não sei…

Saberei?


(como posso saber se estas palavras são eu ou apenas um desenho bonito no ecrã?)


Não sei.


Também não sei o que saberia eu se os meus braços te envolvessem

(Talvez sentisse um arrepio na pele)
(Talvez nada)

(Não o saberei nunca, pois não?)

CONFIDENCIAL: Por vezes parece-me que há um movimento ligeiro do teu corpo na minha direcção. Estarei a imaginar?

No meu intimo a pergunta: e que movimento ligeiro do teu corpo pode impedir a minha queda?

Nenhum.

Se me queres. Agora.

Atira o teu corpo na direcção do meu. Despenha-te sobre mim. Eu seguro-te. Para sempre.

(Não conhecerei o sempre, pois não?)


…como me dói ver a tua imagem reduzida a um telefone silencioso.

terça-feira, fevereiro 03, 2004

O trabalho
É quase meia-noite. Podia pensar-se ser uma boa hora para olharmos para dentro de nós. Reflectir um pouco. Quem sabe até encontrar algumas respostas. Mas tudo que me ocorre são os pagamentos a fazer amanhã, o meio intimo enche-se dos passos ritmados da contabilidade e penso, se isto for pensar, no volume de vendas inferior ao esperado.
E o que espero deve ficar de lado? Os meus sonhos… e que desejos? Quem sou eu?
Um cheque com provisão? Ou, apenas, um cheque sem fundo?
Talvez, eu seja apenas uma função.

...

"Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra."

Dez Chamamentos ao Amigo
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

...
É meu este poema ou é de outra?
Sou eu esta mulher que anda comigo
E renova a minha fala e ao meu ouvido
Se não fala de amor, logo se cala?

Sou eu que a mim mesma me persigo
Ou é a mulher e a rosa escondidas
(Para que seja eterno o meu castigo)
Lançam vozes na noite tão ouvidas?

Não sei. De quase tudo não sei nada.
O anjo que impulsiona o meu poema
Não sabe da minha vida descuidada.

A mulher não sou eu. E perturbada
A rosa em seu destino, eu a persigo
Em direção aos reinos que inventei.
Hilda Hist

segunda-feira, fevereiro 02, 2004

Segunda-feira
Cinema. Até amanhã.

Outras palavras

...

"Vê se há mensagens
no gravador de chamadas;
rega as roseiras;
as chaves estão
na mesa do telefone;
traz o meu
caderno de apontamentos
(o de folhas
sem linhas,as linhas distraem-me).
Não digas nada
a ninguém,
o tempo,agora,
é de poucas palavras,
e de ainda menos sentido.
Embora eu,pelos vistos,
não tenha razão de queixa.

Senhor,permite que algo permanença,
alguma palavra ou alguma lembrança,
que alguma coisa possa ter sido
de outra maneira,
não digo a morte,nem a vida,
mas alguma coisa mais insubstancial.
Se não para que me deste os substantivos e os verbos,
o medo e a esperança,
a urze e o salgueiro,
os meus heróis e os meus livros?

Agora o meu coração
está cheio de passos
e de vozes falando baixo,
de nomes passados
lembrando-me onde
as minhas palavras não chegam
nem a minha vida
Nem provavelmente o Adalat ou o Nitromint."

Amor como em casa
Regresso devagar ao teu sorriso como quem volta a casa.
Faço de conta que não é nada comigo.
Distraído percorro o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro.
Devagar te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no amor como em casa.

A Um Jovem Poeta
Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti.Procura-a em prosa,pode ser

que em prosa ela floresça
ainda,sob tanta
metáfora;pode ser,e que quando
nela te vires te reconheças

como diante da uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.

Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.

Atropelamento e Fuga
Era preciso mais do que silêncio,
era preciso pelo menos uma grande gritaria,
uma crise de nervos,um incêndio,
portas a bater,correrias.
Mas ficaste calada,
apetecia-te chorar mas primeiro tinhas que arranjar o cabelo,
perguntaste-me as horas,eram 3 da tarde,
já não me lembro de que dia,talvez de um dia
em que era eu quem morria,
um dia que começara mal,tinha deixado
as chaves na fechadura do lado de dentro da porta,
e agora ali estavas tu,morta(morta como se
estivesses morta!),olhando-me em silêncio estendida no asfalto,
e ninguém perguntava nada e ninguém falava alto!
Manuel Antonio Pina

domingo, fevereiro 01, 2004

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- Somos uma ilha.
- Península-me, por favor.

Words

Axes
After whose stroke the wood rings,
And the echoes!
Echoes traveling
Off from the center like horses.

The sap
Wells like tears, like the
Water striving
To re-establish its mirror
Over the rock

That drops and turns,
A white skull,
Eaten by weedy greens.
Years later I
Encounter them on the road---

Words dry and riderless,
The indefatigable hoof-taps.
While
From the bottom of the pool, fixed stars
Govern a life.

Fever 103
Pure? What does it mean?
The tongues of hell
Are dull, dull as the triple

Tongues of dull, fat Cerebus
Who wheezes at the gate. Incapable
Of licking clean

The aguey tendon, the sin, the sin.
The tinder cries.
The indelible smell

Of a snuffed candle!
Love, love, the low smokes roll
From me like Isadora's scarves, I'm in a fright

One scarf will catch and anchor in the wheel.
Such yellow sullen smokes
Make their own element. They will not rise,

But trundle round the globe
Choking the aged and the meek,
The weak

Hothouse baby in its crib,
The ghastly orchid
Hanging its hanging garden in the air,

Devilish leopard!
Radiation turned it white
And killed it in an hour.

Greasing the bodies of adulterers
Like Hiroshima ash and eating in.
The sin. The sin.

Darling, all night
I have been flickering, off, on, off, on.
The sheets grow heavy as a lecher's kiss.

Three days. Three nights.
Lemon water, chicken
Water, water make me retch.

I am too pure for you or anyone.
Your body
Hurts me as the world hurts God. I am a lantern ---

My head a moon
Of Japanese paper, my gold beaten skin
Infinitely delicate and infinitely expensive.

Does not my heat astound you. And my light.
All by myself I am a huge camellia
Glowing and coming and going, flush on flush.

I think I am going up,
I think I may rise ---
The beads of hot metal fly, and I, love, I

Am a pure acetylene
Virgin
Attended by roses,

By kisses, by cherubim,
By whatever these pink things mean.
Not you, nor him.

Not him, nor him
(My selves dissolving, old whore petticoats) ---
To Paradise.
Sylvia Plath

I'll Be Your Mirror
I'll be your mirror
Reflect what you are, in case you don't know
I'll be the wind, the rain and the sunset
The light on your door to show that you're home

When you think the night has seen your mind
That inside you're twisted and unkind
Let me stand to show that you are blind
Please put down your hands
'Cause I see you

I find it hard to believe you don't know
The beauty that you are
But if you don't let me be your eyes
A hand in your darkness, so you won't be afraid

When you think the night has seen your mind
That inside you're twisted and unkind
Let me stand to show that you are blind
Please put down your hands
'Cause I see you

I'll be your mirror
Lou Reed