sublinhar

sexta-feira, dezembro 31, 2004

Receita de ano novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

[este blog, ok, confessso, é mais o seu autor, anda a ganhar vicios: o mesmo poema repete-se ano após ano na data de aniversário e outro poema repete-se, agora, no fim do ano. mas, acreditem faz sentido assim.]
[eu, por mim, retiro a minha momentânea depressão do vosso caminho para desejar a todos: Um óptimo Ano Novo, mas mesmo Novo, desses que o poema fala.]

quinta-feira, dezembro 30, 2004

o objecto é a minha mão: corta-a

porventura não sabem do que escrevo não faz mal irrita-me que me pontuem sobretudo esta caneta que carrego todo este tempo com o propósito de escrever não sei bem o quê ou o meu corpo e o meu corpo é como a minha caneta que trago sempre comigo disposto a utiliza-la para determinado fim sem sentido na verdade esmero-me na caneta causa-me admiração coloco-a na mão para que saibas na mão direita e com ela escrevo estas frases e outras muitas palavras grandes pequenas palavrinhas que importa escrevo com ela com o corpo sinto sinto-te sinto-me tenho saudades com o corpo ou com a caneta já nem sei tanto faz seguem-me para todo o lado os dois precisamente por isso confundo-os hoje ele o corpo pediu-me para partir a caneta em duas com as mãos duas mas não tive coragem não sei de quê o corpo pede-me futuro a caneta inscreve-se no passado que na verdade não existiu ainda nem existirá entre os dois encontra-se a minha mão a direita um elo por isso te peço corta-a

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Ilustração do silêncio

Hoje:
escrevo
apenas para que saibam
que o silêncio
é uma ideia insuportável.

[ou trinta linhas de texto reduzidas a uma ideia banal]

segunda-feira, dezembro 27, 2004

"I am a deeply superficial person"


Uma entrevista: o jornalista pergunta qualquer coisa deste género: “Andy, esta série sobre a cadeira eléctrica contém uma mensagem politica?”. ao seu jeito hesitante Andy responde: “bom…..não sei…..é apenas uma coisa…..” Aproxima-se um assistente (um dos muitos assistentes) e a um gesto dele começa a responder uma mensagem politicamente correcta, a câmara mantém Andy na imagem: alheado, sorridente. nunca chegamos a ouvir com atenção o que o outro diz.


lembro-me disto muitas vezes a ver os noticiários na tv, não perguntem porquê.


"I'm afraid that if you look at a thing long enough, it loses all of its meaning"

a cidade perdida [reconstrução]

ainda que aquele lugar se enchesse de novo das mesmas caras. o passado. saberia eu distinguir a quem pertence o sorriso que persiste no mesmo lugar desde um dia de natal em que estava sol e as crianças brincavam lá fora? ainda que hoje fosse outro dia, e me inspirasse não sei que memória de um brinde a um músico morto. o passado. saberia eu sorrir esse sorriso que permanece para sempre discreto no agora silêncio daquele lugar? ou, e porque não, as pessoas. ainda que as pessoas se comprimissem entre estas ruas de pedra, como outrora. o passado. saberia eu distinguir-te a ti entre reminiscências do eu ter existido então? há demasiados fantasmas neste lugar. ainda que milhares deles sejam sorrisos meus. tudo me comprime. tudo se esquece e se lembra de novo. hoje foi o teu sorriso, amanhã nem existirás. amanhã será a tua voz, depois de amanhã nem tu existirás. e nesta página de papel existimos todos a um click do silêncio.

[de novo o fim do ano, esta mesma cidade, vultos que passam em pleno dia, memórias de sorrisos e, porque não, uma estrada a caminho daquele lugar]

terça-feira, dezembro 21, 2004

conversa em surdina

ainda hoje me pareceu que o mundo era perfeito. ontem, para dizer a verdade, também. desconfio, mas não contes a ninguém, que o mundo é mesmo perfeito. vê: existimos, existem outras pessoas, os seus braços tocam os nossos e sorriem, ensinam-nos e aprendem connosco, sorrimos todos. sabes? também choramos, mas menos vezes, e aí ainda mais braços se estendem sobre nós, e então perdemos o medo de nos perder. o mundo é mesmo perfeito… basta sorrir. agora que já sabes, não contes a ninguém, não te iriam acreditar.

[no espírito do natal: para os amigos]

segunda-feira, dezembro 20, 2004

a hipótese das sombras

gostava de te dizer, de o dizer aos teus olhos para que me acreditasses, que as palavras existem gravadas na pedra contra o esquecimento. gostava de te dizer só isso. provavelmente depois nunca mais me verias e os teus olhos saberiam que eu mentira. só os corpos, e a dádiva entre eles, podem impor-se no espaço dos outros. se te segurasse na mão, insisto, talvez desaparecesse ainda enquanto tinha a tua mão na minha. esta conversa diáfana terá sempre poucas ou demasiadas palavras. neste caso o seu silêncio. é impossível a urgência, como é impossível remeter essa urgência ao vazio. gostava de te dizer, de o dizer aos teus olhos para que me acreditasses, que só os corpos ousam falar por dentro das coisas. e que as palavras, temem, antes de tudo, impor-se no território dos outros. insisto apenas para dizer que também me feri nas sombras desenhadas por mim. insisto, porque um dia, distante, uma dessas sombras devolveu-me a palavra amor numa voz doce que não era a minha. impossível parece, mas não é. mas isto são tudo hipóteses de uma sombra, não me acredites.

[no fundo tens razão. desculpa o excesso.]

Bernardo Soares escreve a Almada Negreiros

deixo-me estar sentado, ergo a cabeça em alheamento do trabalho, e observo a nuvem branca que atravessa a janela da frente do escritório. sonho. os sonhos antes sonhados. os sonhos da rapariga do café que, tu sabes, também sonha. hoje não troveja, a praça está clara, as pessoas passam embrulhadas em sorrisos natalícios. eu estou fechado e sonho. sonhos repetidos: será esta a estalagem? será aquilo que passa a vida? no sonho envolvo-me em trajes de rei e percorro as ruas em parada. mas a rua devolve-me a certeza que eu serei sempre eu e tu Almada, serás sempre Almada.

de regresso a casa

este não é. o ponto do eterno retorno. é antes o habitáculo possível. tal como o corpo. e um sinal de que o passado existe sempre. em cada renascimento.

entre as palavras me destruo

caio na constelação perdida de mim. passo as palavras à memória de elas terem existido, sem sentido. espero apenas que o mundo corra, se desespere, se afunde, se destrua. nem espero. de que serve esperar. deixo afinal que o silêncio seja tudo que existe.

Estes pesadelos que me alcançam a caminho de casa

Um dia ela disse-me
Adeus,
Sem o dizer.

Eu fui.
Um dia eu disse-lhe
Amo-te
Sem que a amasse

Eu fui

Um dia ela disse-me
Silêncio
Sem que parasse

Eu fui.

Um dia gritei
Agora
Sem que gritasse

E, também,
Fui.

Constante apenas o passado
e o verbo
movimento
Ir.

Onde?

Abstenho-me de perguntar

Enlouqueceria se o fizesse.

Imagina que agora
que estou
aqui
(este insuportável aqui)
me perguntava,
sem desculpas,
sem sossegos,
sem nada,
porquê?

Ou me perguntava:
não a querias beijar?

E imagina que respondia.

Enlouquecia se o fizesse.

É por issoque encho de racionalidade as minhas tardes,
de lugares comuns os sentimentos,
de vazios os meus amores.

É por isso que quero,
quase mais que tudo,
que me queiras matar.

É por isso que quero,
quase mais que tudo,
que me queiras apagar.

É por isso que quero,
mais que tudo,
e se não te importas,
que me queiras amar.

quero que me digas

"O que queres?"
Num ponto, antes de tudo, que as palavras correspondam milagrosamente à fórmula pensada com que o desejo se evapora do nosso corpo. Quero que me digas: todas as palavras que existem para me dizeres. Não lamentes o seu absurdo, se existe, ou a sua dor infligida, se há dor nelas para ser infligida. Não as lamentes. Quero, antes de tudo, que as digas. Uma a uma. É isso que espero de ti.
Talvez já não sejamos capazes de ser assim, mas só assim­ podemos remover os obstáculos que removem de cada frase a palavra bela, que retiram às conversas as perguntas necessárias, as curiosidades amáveis, amantes. Talvez o mundo e a sua linguagem não permitam que quebremos o silêncio com tanta força, que nos imiscuamos no centro do desejo, da fuga, da partida... ou então o mundo existe para ser vivido na ânsia de conhecer, de saber, sem que nunca nos seja dada a resposta, ou sem que nunca cheguemos a perguntar.
Vejo agora que te peço o absurdo. Peço-te que me fales como nunca ninguém se falou, peço-te que me dês muito mais do que alguma vez alguém deu. Mas, na verdade, é isso que te peço.

Do meu coração em cinza

Não proponho
um inalcançável freio
para os teus gestos.
Não o quero.
Entende
que morreria eu também
órfão desses movimentos.

Não sei dizer amo-te a correr,
provavelmente não sei dizer:
Amo-te.
Mas isso são as palavras,
enjauladas nos sonhos antigos,
que persistem ainda na vigília
a que chamo os dias da minha vida.

Mas,
AMO-TE.
Perdido.
Confesso-me ausente.
Entre o medo e a recusa do medo.
Uma recusa a sangue
Que congestiona os gestos,
ou local do cérebro onde os gestos se suportam.
E eu não suporto,
a ausência,
a memória da ausência,
a prometida ausência.

Detesto a memória,
dói-me,
instala-se nas minhas entranhas como um cancro,
apenas quero viver o teu sorriso,
o teu riso, o teu movimento.

E quando o tempo interfere eu morro-me,
a memória interioriza-te em mim,
e eu preciso de ti
exterior a mim,
Preciso do teu movimento que
ainda não
(alguma vez?)
compreendi,
O teu movimento que
ainda não
(alguma vez?)
soube parar,
Para te dizer abraçando-te
isso mesmo:
O abraço.

Saberei viver no dia que desistires de mim?
Não sei se o sei agora,
e arrependo-me,
e culpo-me pelo arrependimento,
e transporto-me pelas palavras até
que chegue um dia
em que os gestos não se prendam
nos agrestes interstícios dos sonhos
e eu te possa dizer
com um beijo,
isso mesmo:
O beijo.

memória das ruínas

Este momento: é o princí­pio de tudo ou o seu fim? Que os pássaros metálicos me persigam desde das antigas praias onde me deitei ao sol, que os fantasmas me sorvam o sangue como se fosse uma alimento beatífico de que necessitam para viver, que o meu sorriso me persiga e te persiga. Havia montes de cadáveres nas rochas. Agora vivem encostados na minha pele, agora vivem destes momentos e destes gritos em silêncio. Sei que a verdade está algures entre as mentiras e as palavras não ditas, ou ditas. Que podemos fazer senão continuar a provocar a nossa derrota. Na vida sangramos a cada novo gesto, a cada novo apelo, a cada nova batalha. Na vida sangramos. Agora sim, desisti. As palavras assumem as formas dos pesadelos e só eu as consigo definir. Ou a forma dos silêncios que guardo junto ao corpo. Já nõo acredito na perfeião e é disso que vou morrer. Agora, este momento, apenas serve para confirmar que dentro de mim encontro apenas aquilo que sei. A vida só existe quando eu me explodir.

sábado, dezembro 18, 2004

Epílogo

Não sei como escrever a palavra: FIM. Mas talvez ela seja desnecessária agora. Deixo escrito: recomeço, mas adianto que não sei o que quer dizer. O importante é que quando alguém nos acorda, e aponta lá para fora, e nos mostra, num relance, o mundo, não podemos deixar-nos estar na cama e adormecer outra vez. Por isso me levanto e respiro com todos os poros o Isto, e não permito sequer que a preguiça me faça perder um minuto do Tempo. Habito a casa depois do naufrágio, acredito-me a caminho da liberdade, sem maiúscula, de todos os gestos. Por isso a palavra FIM é desnecessária. Contínua, mas a diferença, ténue ainda, adianta-se no título, no lugar, nas necessidades de cada palavra. Portanto: até já e muito obrigado.

sexta-feira, dezembro 17, 2004

Um post antes de adormecer

Ouve, presta atenção, ao movimento do corpo. Porque ele existe e isso basta. Deixa os gestos falar, por uma vez. Ou continua parado, a voz. Ou até o silêncio interrompido a nada. Porque é que antes existe agora? Uma espécie de ultimato de ti a ti próprio. O corpo existe também para lá do toque, ou antes do toque. Mas isso é o quê? As palavras são por vezes aquilo que são, sem mais nada, sem qualquer pretensão. São também, precisamente aquilo que não são. Deixam-se estar perdidas, infindáveis no seu silêncio. Isto tudo antes de nada, ou apesar de tudo. Estas são as fórmulas sensatas com que postulamos o que de vago supomos encontrar. Antes de mais, depois de tudo. Continua igual e diferente.

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Engodo

A poesia não pode tratar de mim,
nem eu da poesia.
Estou só, o poema está só,
o resto é dos vermes.
Estava à beira das ruas onde moram as palavras,
livros, cartas, notícias,
e esperava
Sempre esperei.

As palavras, em formas claras ou escuras,
transformaram-se em alguém escuro ou mais claro.
Poemas passam por mim
e reconheciam-se como coisa.
Via-o e via-me.

Esta escravidão não tem fim.
Esquadrões de poemas procuram os seus poetas.
Vão errando sem comando pelo grande distrito das palavras.
e esperam o engodo da sua forma
feita, perfeita, fechada,
concentrada e
intangível.

Cees Nooteboom

Trad: August Willemsen e Egito Gonçalves

terça-feira, dezembro 14, 2004

Quotidiano infindável

Porque é que isto aconteceu? Ou aquilo? E eu pergunto-me: a partir de que momento o mundo todo explodir deixa de fazer diferença? Falam, muito, interminavelmente. E eu durante várias horas limito-me a respostas crípticas. Toda a gente já sabe que eu não gosto disto, não gosto de reuniões infindáveis sobre nada, ou pior e equivalente, sobre tudo. Tentam, mas eu só desperto quando quero. Sento-me a um canto, deliberadamente alheio, manifestamente indiferente. Continuam, devem ser milhares de palavras e quase tudo se perde. Quanto tempo demorou até que surgiu uma boa ideia? Todo o tempo, parece-me. Quando finalmente surge concordamos todos apressadamente. E agora? Mais palavras, outra vez, banais, sobre nada, para nada. Só digo mais uma vez: vou embora, já chega. Finalmente concordam. Vamos. Desconfio que com tantos dias assim ganharei direito a uma eternidade no inferno.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

Abre los ojos

quanto tempo depois podemos escrever "realidade" sem pestanejar?

fragmentos

pouco sei sobre os antídotos para palavras fatais. não é apenas sonho nem é apenas realidade, e se não compreendem isso então não me posso explicar. existo. existe o desejo e a palavra desejo. amor. nada disto é breve, tudo dura uma eternidade. pouco sei sobre os deuses antigos a não ser que quero sonhar um pouco mais. as palavras existem tal como o corpo existe e se movimenta na tua direcção. ou não. também o corpo se perde, como se perdem as palavras nas derivações da vontade. interligado. pouco sei sobre a vida, ou o que nos torna insensíveis. suponho que não quero saber. nada sei sobre alquimia ou sobre os segredos das palavras. escrevo apenas antes de tudo. prólogo. sei…algumas coisas que existem. e ouço, com um sorriso, o despertar do sonho ainda mais sonho. instantes. perfeição. eternidade.

O You Whom I Often and Silently Come

O you whom I often and silently come where you are that I may be with you,
As I walk by your side or sit near, or remain in the same room with you,
Little you know the subtle electric fire that for your sake is playing within me.

Walt Whitman

Milton Greene - Marilyn


Milton Greene - Hepburn

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domingo, dezembro 12, 2004

um certo momento

Ouço, ao fundo, o som da música alegre, que tranquiliza a noite, num lugar antes do mundo. Ouço-a, de então, uma voz alegre, descrevendo a casa habitada do futuro. Ouço-a, perdida, inocente, esquecida já, antes de acabar, antes de se mostrar, antes que reconheça quem é que canta, na distante outra sala, das vozes. Esquece. Pára. Antes um minuto. Antes que a confusão se instale. Pára, ou então, segue o ritmo e escreve. Muitas palavras, seja incoerência, e talvez esse dom seja uma nova forma de acordar, despertar, ou te perderes. Neste ruído que agora te alcance. De novo o ritmo, que diz? Acordas agora com mais silêncio que em outros dias. As vozes também se calam e tamém morrem. Antes ou depois dos corpos. Antes ou depois de acontecer. Ou ressuscitam. As vozes também fazem isso. Antes de mais, continua a….deixa, antes que saibam que a corrida se faz por cima de cinzas de um mundo partido, antes que saibam que tu também és capaz de assassinar a memória das coisas…antes ou depois, ou…hoje, podes reparar, apetece-me apenas escrever a incoerência de existir por longo tempo…sem que nenhum motivo se defina, também isso permanece obscuro…não me apetecem frases coerentes, nem me apetece na verdade mais do que ouvir o som silencioso das frases a montarem-se no interior do cérebro e nas teclas pretas do teclado. No ecrã, suponho mas não vejo, forma-se um texto, um pretexto, antes que todos desapareçam de vez. Ficam as palavras a caminho da nada, antes de tudo, um determinado momento, que passa.

um pouco antes

À inutilidade dos caracteres pretos chamo eu perfeição. Isto nos dias, ou sejam noites, tanto faz, em que a iniquidade sela com as certezas óbvias da desistência aparente os traços, ou passos, da vida. Ou antes, resumo em palavras acabadas, mortas, lilases, as inúmeras expressões que um dia usarei, ainda que no passado, antes de tudo acontecer outra vez. Ou nada. É de palavras assim, em deriva pelo mundo, ou pelas ruas banais, que procuro na solidão dos acontecimentos estes. Repetindo. Procurando mais que o sentido, ou vários, uma miscelânea onde antes de me encontrar me perco. Só isso, como se fosse pouco, ou como se praticasse o entendimento das palavras.

quinta-feira, dezembro 09, 2004

Out from behind this bending rough-cut mask

Reconheço a voz frequente com que me entrego a divagações excessivas. Ouço, quebrando o silêncio em que me exponho, as vozes com que me escondo. Ou procuro, perante a luz suave de uma tarde de Outono, os sentimentos disponíveis numa outra vida. Regresso, muitas vezes, à infância, apenas porque os sonhos de então representam uma inocência qualquer que enche de tons vagamente dourados os dias que insistem em recordar. Mas, e se fosse só isso, as tardes enchem-se de rotas recém descobertas, de caminhos ainda obscurecidos pela falta de conhecimento, e eu, agora, aliás como sempre, espreito à entrada desses lugares, com a vontade fervente de partir. Para onde? Diz-me tu…

Sobre mim, ainda não sei se um sonho me arrasta ou se sou eu que transporto os meus devaneios como um estandarte de um exército a caminho da batalha perdida. Não sei, ainda, sequer, se existo indiferente às palavras que sobre mim escrevo em noites como esta. Muitas vezes duvido, e de muitas coisas estou certo: como a minha vida. Não espero, já não espero. Todas as pausas, e na vida as pausas são pausas de quê?, me enchem do confrangedor sentimento de que me entrego à morte, a essa morte da monotonia incansável, da falta de vontade. Decido, muitas vezes. Gostava apenas de acertar mais vezes, infelizmente não o faço. Na verdade não importa.

E regresso, como sempre, às palavras em busca do subtil entendimento. Sobre mim, anos e anos de descoberta apenas fazem notar que nunca me saberei, totalmente. Gosto disso. Sobre os outros, apenas fragmentos que habilmente colo sem nunca conseguir saber demais. Gosto também disso. Sobre o medo: insisto que as palavras, ou estas palavras em particular, não servem para estar escondidas. Digo-as. Gosto ainda mais disso.

s o l e t r a n d o

"o enigma de escrever para me manter vivo
a memória desaguando a pouco e pouco no esquecimento
para que nada sobreviva fora deste corpo viandante"

Al berto

um outro lugar

Ainda não sabia que se podia sentir falta das palavras por escrever. Talvez essa saudade provenha da ideia que essas mesmas palavras serão escritas num lugar distante e porventura inacessível. Só agora sei que podemos sentir falta dessas palavras como se elas já existem e as soubéssemos de cor. Resta apenas o contentamento pela certeza que as palavras que não ouvimos existem também.

terça-feira, dezembro 07, 2004

acordo a meio da noite

Acordo a meio da noite e é a luz vermelha do relógio a única presença. Essa luz, de minuto e horas incessantes, está sempre ali quase como se estivesse disposta a ouvir aquilo que tenho para dizer. Mas, na verdade, quase nunca falo. Acordo a meio da noite, estendo a mão, acendo a luz, fumo um cigarro. Um minuto depois, ouve-se música. Uma música qualquer. Acordo a meia da noite e não estou com insónia, desesperado, esquecido de dormir, nada. Simplesmente acordo a meio da noite. E ouço música. E o despertador parece estar à espera que me confesse. É só isso, acordo a meia da noite e depois, algum tempo depois, volto a dormir. Na verdade, a única coisa de notar, é que mesmo acordado, nunca chego a parar de sonhar.

domingo, dezembro 05, 2004

again, and again, and again...

Não deixes que o espaço vazio te defina, ou deixa…que sei eu? Procuras, ou….suponho que terás encontrado, ou então não. Desconheço, sim, será essa a palavra enquanto durar o tempo. Suponho que existirá um beijo, ou já existiu?, e assim se selará não sei que destino. Onde encontro as palavras e que palavras, para te falar? E para falar de quê? Em que momento? em que eterna despedida? em que fim próximo?, em quem? Quem? onde? Por um momento penso: há um espaço inevitável em que as palavras profanam o lugar sagrado do silêncio, e para dizer que te amo terei de induzir o sono ao eterno vigilante do senso comum que habita em mim. Mas, e essa verdade tu desconheces, grito muitas vezesacima das palavras audíveis. Será esse grito apenas reflexo de silêncio? ...pavoroso... como podeis pensar que existo, nego-me, escrevo, mesmo que pare agora e seja o silêncio, todas as palavras escritas, inscritas, sussurradas na noite escura em fevereiro, ou no leito de morte das ideias, ou junto à cabeceira de um amigo que diz sorrindo: esquece-me. Assinalo o dever ao contínuo proclamar da existência do indivíduo ainda que isso corroa a imagem estilizada da multidão que caminha, talvez por isso grite, gritos inaudíveis, gritos por gritar, gritos não-gritos, e escreva matraqueando à pressa as teclas à minha frente sem reparar se erro, se a pontuação desajeitada dá a alguém vontade de morrer, se os sentidos múltiplos se anulam, ou me convertem em alguém que afinal não grita, mas diz, quebrando o silêncio: serei capaz de (te) amar?

Where to?

" O que Moraes dizia do Japão permanece correcto. O que ele dizia de Portugal também, infelizmente. Se ficou no Japão, não foi por ter deixado de sentir-se português. Aqui é que ele aprendeu a sentir falta do Japão, mesmo antes de saber o que era."

Luís M. Faria, As Ilhas da Utopia, Grande Reportagem 4/12/2004

sexta-feira, dezembro 03, 2004

apenas um post antes de adormecer

É uma e trinta, madrugada, uma hora absurda para estar, de novo, repetindo o absurdo de outros momentos, em frente a um iluminado ecrã e rente às palavras. Aqui, como se o espaço fosse ainda algo de verificável, agora que por todo lado existes, ainda que antes se dissesse longe e agora apenas se saiba dizer por aí. Indefinido. No entanto tocas-me, não agora, ou também agora, muitas vezes, repetindo: de diversas formas. Talvez por isso faça sentido, parado, os dedos lestos sobre o teclado preto, e as palavras-sombra que os meus olhos entendem a meia-luz. Estas palavras, sabes, vogam por cima de pausas violentas, ritos esquecidos de alheamento, para lá do rio da memória esquecida, para lá das porções urgentes de terra inexistente, para lá do mundo silencioso. Suspeito que falo apenas do que existe, esqueço por isso o espaço físico que destrói, e vivo para além das vagas esperanças do que sonho. Lembro o “Sonho de Colombo”, o azul talvez, ou Gala no estandarte, ou o sonho, o esforço, a persistência. Com o correr das palavras penso que talvez fale apenas do futuro, para lá, além, amanhã, sempre...

quinta-feira, dezembro 02, 2004

mp3 flashback



It’s only when I lose myself in someone else
That I find myself
I find myself
It’s only when I lose myself in someone else
That I find myself
I find myself

Something beautiful is happening inside for me
Something sensual, it’s full of fire and mystery
I feel hypnotized, I feel paralized
I have found heaven
There’s a thousand reasons
Why I shouldn’t spend my time with you
For every reason not to be here I can think of two
Keep me hanging on
Feeling nothing’s wrong
Inside your heaven

It’s only when I lose myself in someone else
That I find myself
I find myself

I can feel the emptiness inside me fade and disappear
There’s a feeling of contentment now that you are here
I feel satisfied
I belong inside
Your velvet heaven

Did I need to sell my soul
For pleasure like this
Did I have to lose control
To treasure your kiss
Did I need to place my heart
In the palm of your hand
Before I could even start
To understand

It’s only when I lose myself in someone else
That I find myself
I find myself
It’s only when I lose myself in someone else
That I find myself
I find myself


Only When I Loose Myself
Depeche Mode

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Anoitecer